sexta-feira, 1 de março de 2013

Requisitos para os embargos de terceiro

Relator(a): Newton Janke
Julgamento: 19/08/2004
Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público
Publicação: 
Apelação Cível n. 2003.005675-0, de Itajaí.

Ementa

RESTRIÇÃO JUDICIAL NO DETRAN. EMBARGOS DE TERCEIRO. CABIMENTO.
A determinação judicial que impõe restrição à transferência de veículo automotor molesta o pleno exercício do direito de propriedade e, como tal, rende ensejo a ser atacada pelos embargos de terceiro. VEÍCULO GRAVADO COM RESERVA DE DOMÍNIO. RETOMADA DO BEM PELA EMPRESA VENDEDORA SEGUIDA DE ALIENAÇÃO A TERCEIRO. BOA FÉ DO NOVO ADQUIRENTE. INEXISTÊNCIA DE FRAUDE À EXECUÇÃO. Na venda a crédito com reserva de domínio, a transferência da propriedade ao comprador somente ocorre e se consuma no momento em que este paga integralmente o preço. Por conseguinte, não cabe cogitar de fraude à execução no procedimento do terceiro que, de boa fé, adquire da empresa detentora de reserva de domínio o bem retomado ao devedor inadimplente, sujeito passivo do débito tributário. 
 
RESTRIÇÃO JUDICIAL NO DETRAN. EMBARGOS DE TERCEIRO. CABIMENTO.
A determinação judicial que impõe restrição à transferência de veículo automotor molesta o pleno exercício do direito de propriedade e, como tal, rende ensejo a ser atacada pelos embargos de terceiro.
VEÍCULO GRAVADO COM RESERVA DE DOMÍNIO. RETOMADA DO BEM PELA EMPRESA VENDEDORA SEGUIDA DE ALIENAÇÃO A TERCEIRO. BOA FÉ DO NOVO ADQUIRENTE. INEXISTÊNCIA DE FRAUDE À EXECUÇÃO.
Na venda a crédito com reserva de domínio, a transferência da propriedade ao comprador somente ocorre e se consuma no momento em que este paga integralmente o preço.
Por conseguinte, não cabe cogitar de fraude à execução no procedimento do terceiro que, de boa fé, adquire da empresa detentora de reserva de domínio o bem retomado ao devedor inadimplente, sujeito passivo do débito tributário.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. , Comarca de Itajaí (Fazenda Pública, Ex. Fiscais, Ac Trabalho e Reg. Púb.), em que é apelante Estado de Santa Catarina, sendo apelado Márcio Moser:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
1. Irmãos Heil S.A. Com. e Márcio Moser ajuizaram contra o Estado de Santa Catarina Embargos de Terceiro objetivando desconstituir restrição judicial inserida nos registros do DETRAN, tendo por objeto uma motocicleta alienada pela primeira ao segundo requerente.
Na audiência de justificação, a embargante Irmãos Heil S.A Com. foi excluída do pólo ativo da demanda.
Em julgamento antecipado, o pedido foi julgado procedente para determinar o cancelamento da averbação da restrição judicial nos registros do DETRAN, efetivada por iniciativa do réu no processo de execução fiscal intentado contra Tecelagem Santa Lurdes Ltda.
Recorreu o Estado, suscitando, em preliminar, a carência de ação ao fundamento de que os embargos somente seriam cabíveis se tivesse havido a penhora do bem, o que, entretanto, não se verificou. No mérito,sustenta que o veículo foi adquirido em fraude à execução, nos termos do art. 185 do Código Tributário Nacional, o que permite o reconhecimento da ineficácia da transação no próprio processo de execução fiscal. Em reforço a essa argumentação, assinalada que o desaparecimento da empresa executada, certificado na execução, é suficiente para comprovar o estado de insolvência da vendedora.
Em contra-razões, o embargante rogou pela manutenção da sentença e requereu a penalização do Estado por litigância de má-fé.
É o relatório.
2. A alegação de carência de ação ventilada na resposta e reiterada no recurso é de manifesta inconsistência.
É certo que o veículo não chegou a ser penhorado, mas é igualmente certo que, atendendo pedido do Fisco, expediu-se ao DETRAN ofício para que esta repartição se abstivesse de formalizar qualquer ato de transferência a significar que o bem, de fato, tornou-se indisponível.
O rol de atos declinados no art. 1.046, do Código de Processo, é meramente exemplificativo. Daí que qualquer ato judicial que implique em molestar o livre exercício da posse e da propriedade é atacável pelos embargos de terceiro.
Na espécie, é mais do que evidente que a restrição averbada nos registros da repartição oficial de trânsito embaraça e restringe o exercício do domínio, quer seja impedindo o embargante de providenciar o registro em seu nome, quer seja impossibilitando-o também de formalizar eventual transferência em favor de terceiro.
A propósito, bem esclarecedores são os seguintes precedentes:
"A ordem judicial ao DETRAN, que impõe vedação para a transferência de veículo, dá ensanchas aos embargos de terceiro"(STJ-3 a Turma, REsp 73.066-MG, rel. Min. Menezes Direito, j. 25.3.97, deram provimento, v.u., DJU 19.5.97, p. 20.630)
"EMBARGOS DE TERCEIRO - RESTRIÇÃO JUDICIAL NO DETRAN - AMEAÇA AO EXERCÍCIO DA POSSE - POSSIBILIDADE DO MANEJO DA AÇÃO - EXECUÇÃO FISCAL CONTRA PESSOA JURÍDICA - CONSTRIÇÃO DE BEM DE SÓCIO - ALIENAÇÃO ANTERIOR À CITAÇÃO
1. Configurada ameaça ao exercício da posse, existe interesse processual que autoriza o manejo de embargos de terceiro.
(...) (Apelação Cível n. , de Itajaí, Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros).
De resto, é fato que já foi expedido o mandado de penhora e que a constrição apenas não se consumou porque o bem não foi localizado. Há, portanto, uma ameaça latente e isso, por si, já autoriza o manejo da ação de interditos, segundo ilustram paradigmas do Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. AMEAÇA. AJUIZAMENTO PREVENTIVO. POSSIBILIDADE. EFETIVA CONSTRIÇÃO JUDICIAL. DESNECESSIDADE. ART. 1.046, CPC. EXEGESE. PRECEDENTE. DOUTRINA. RECURSO DESACOLHIDO.
Os embargos de terceiro são admissíveis não apenas quando tenha ocorrido a efetiva constrição, mas também preventivamente. A simples ameaça de turbação ou esbulho pode ensejar a oposição dos embargos."(RESP 389854 - PR; Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. DJ :19.122002.p 367)
" Basta a simples ameaça de turbação ou esbulho para sejam cabíveis os embargos "(STJ-RT 659/184, JTA 98/96, 104/19, 128/206). No mesmo sentido: REsp n. 1.702-CE, Rel. Min. Eduardo Ribeiro. DJ 09.04.90)
No mérito, a sentença não comporta nenhum reproche.
A execução fiscal foi ajuizada em 27/12/1995e a devedora foi citada em 25/03/1996, ou seja, em datas anteriores à venda da motocicleta ao embargante, ocorrida somente em 22/07/1998.
Sob essa perspectiva, tratar-se-ia de caso de fraude à execução, pois que, quando da efetivação do negócio com o embargante, existia demanda em curso contra a devedora, Tecelagem Santa Lurdes Ltda., capaz de reduzi-la à insolvência.
Ademais, haveria a incidência da regra específica do art. 185, do Código Tributário Nacional:
"Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados pelo devedor bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida em fase de execução."
Esta presunção é juris et de jure , não comportando prova em contrário (REsp n.º 489.059, Min. Humberto Gomes de Barros).
Todavia, o rigor destas regras deve ser amenizado em relação àquele que, como o apelante, de boa fé, adquiriu a coisa de pessoa diversa do executado.
Ressalte-se aqui que o bem foi alienado à devedora através de venda à crédito, com reserva de domínio. Como não conseguiu resgatar o valor financiado, o automotor foi retomado pela empresa vendedora que, então, o revendeu para o apelado.
A ordem de restrição judicial foi dirigida ao DETRAN em 09/09/1998 (fls. 48 - autos de execução) e averbada junto ao órgão de trânsito em 29/09/1998 (fls. 08), ou seja, quando o bem já tinha sido alienado ao apelado.
Além disso, são circunstâncias que corroboram a boa-fé do adquirente o fato de este ter quitado integralmente a motocicleta, conforme depreende-se da prova testemunhal coligida (fls. 20/22), e ter tentado regularizar a situação, transferindo-a para o seu nome (fls. 37/38), não obtendo êxito justamente porque a executada não forneceu os documentos necessários a esse fim.
Havendo múltiplas alienações, desaparece a perspectiva de fraude à execução naquelas que sucedem a venda feita pelo devedor-executado. Vários são os julgados do Superior Tribunal de Justiça neste sentido:
"I - A jurisprudência deste Tribunal tem assentado o escólio no sentido de prestigiar o terceiro possuidor e adquirente de boa-fé, na hipótese de a penhora recair sobre imóvel objeto de execução e não mais pertencente de fato ao patrimônio do devedor, vez que transferido, muito embora não formalmente. II - Consoante o enunciado da Súmula 84-STJ, "é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro". III - Não viola o art. 185 do CTN a decisão que entendeu não constituir fraude a execução a alienação de bens feita por quem não é sujeito passivo em débito com a Fazenda Pública, e tenha adquirido o bem objeto de constrição judicial, amparado pela boa-fé, de pessoa não devedora da Fazenda, não havendo sido a penhora levada a registro. IV - Recurso desprovido, sem discrepância"(REsp n.º 120.756, Min. Demócrito Reinaldo).
"Execução Fiscal e Processual Civil. Fraude à Execução. Penhora. Direito de uso de linha telefônica. Terceiro que adquiriu o bem de outro que não o devedor. Art. 185, CTN.
1. O CTN, nem o CPC, em face da execução, não estabelecem a indisponibilidade do bem alforriado da penhora. A execução, por si, não constitui ônus "erga omnes", efeito decorrente da publicidade do registro público. Para a demonstração do "consilium fraudis" não basta o ajuizamento da ação.
2. Em se tratando de bem adquirido de terceiro que não o devedor, sem que houvesse a inscrição da penhora, necessário, para tornar ineficaz, em face do credor, o negócio jurídico, a demonstração de que o adquirente tinha ciência da constrição.
3. No caso, há necessidade de tutelar a boa-fé, não podendo ser presumida a má-fé diante dos fatos antecedentes.
4. Precedentes.
5. Recurso não provido. (RESP 171259/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira)
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA SOBRE AUTOMÓVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO: NÃO OCORRÊNCIA.PRECEDENTES DO STJ. RECURSO NÃO CONHECIDO. I - Constatada a ocorrência de várias alienações, o último adquirente do automóvel posteriormente penhorado na execução fiscal - deve ser considerado terceiro de boa fé , por não ter negociado com o devedor do fisco, ficando afastada, por conseqüência, a aplicação da regra inserta no art. 185 do CTN. II - Precedentes da 2ª Turma do STJ: REsp nº 45.453/SP e REsp 54.150/SP .
III - Recurso especial não conhecido. (RESP 162268/RS; Rel. Min. Adhemar Maciel). No mesmo sentido : REsp 2.653-MS , rel. Min. Eduardo Ribeiro; REsp 54.150/SP, Rel. Min. Ari Pargendler.
Aliás, a rigor, nem caberia cogitar da existência de fraude na operação através da qual o bem retornou para a empresa que o vendeu à devedora.
É que, na venda a crédito com reserva de domínio, a transferência da propriedade ao comprador somente ocorre e se consuma no momento em que este paga integralmente o preço, conforme emerge da lição de Caio Mário da Silva Pereira:
"Dá-se a reserva de domínio, quando se estipula pacto adjeto ao contrato de compra e venda, em virtude do qual o vendedor reserva para si a propriedade da coisa alienada, até o momento em que se realize o pagamento integral do preço. É usado nas vendas a prestações, com investidura do comprador, desde logo, na posse da res vendita, ao mesmo passo que se subordina a aquisição do domínio à solução da última prestação"("Instituições de Direito Civil", Vol. III, Forense, p. 154, 1970).
De tudo quanto foi dito, tem-se como certo que a aquisição do bem pautou-se na boa fé do recorrido, não se revelando caracterizada a hipótese de fraude à execução de modo a se reconhecer como ineficaz a transação que - repita-se - veio a ser consumada com a empresa que conservava o domínio e não com a devedora que, na verdade, nunca o tinha alcançado.
Embora o recurso não mereça acolhida, não é, à toda evidência, caso de se atribuir ao Estado a pecha de litigância de má fé. De fato, o recorrente, em nenhum momento, lançou mão de expedientes ou argumentos reprováveis a revelar deslealdade processual.
3. Nos termos do voto do relator, a Câmara, por unanimidade, negou provimento ao recurso.
Participou do julgamento o Exmo. Sr. Des. Nicanor da Silveira.
Florianópolis, 19 de agosto de 2004.
Volnei Carlin
PRESIDENTE COM VOTO
 

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