quarta-feira, 13 de abril de 2011

processo civil - competência - idoso

Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
22.9.2009
Segunda Turma Cível
Agravo Regimental em Agravo - N. 2009.022101-0/0001-00 - Campo Grande.
Relatora Designada -   Exma. Sra. Desª. Tânia Garcia de Freitas Borges.
E M E N T A           – AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO – EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA – AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO – AUTORA IDOSA E ENFERMA – ART. 94, CAPUT, DO CPC – REGRA DE COMPETÊNCIA RELATIVA – APLICAÇÃO SISTEMÁTICA DO ESTATUTO DO IDOSO – RECURSO PROVIDO, MANTENDO-SE A COMPETÊNCIA DO FORO DO DOMICÍLIO DA AUTORA.
Em ação que envolve direito pessoal, não prevalece a regra do art. 94, caput, do CPC – regra de competência relativa – quando a autora é idosa e enferma, mantendo-se a demanda no foro de seu domicílio para observância dos princípios constitucionais da isonomia e da proteção ao idoso (art. 230 da Constituição Federal).
Nesses casos, aplica-se a regra do art. 3º, caput, c.c parágrafo único do Estatuto do Idoso.
A  C  Ó  R  D  à O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Segunda Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria, dar provimento ao recurso, nos termos do voto da 1ª vogal, vencido o relator.

Campo Grande, 22 de setembro de 2009.

Desª. Tânia Garcia de Freitas Borges Relatora Designada



RELATÓRIO
O Sr. Des. Hildebrando Coelho Neto
Vera Helena Hampe Bocchese, não se conformando com a decisão (f. 233-239-TJMS) que deu provimento ao recurso de agravo interposto contra decisão que, nos autos da de nulidade de ato jurídico que move em face de Afonso Maria Grezzana, rejeitou a exceção de incompetência de foro arguida incidentalmente, interpõe o presente agravo regimental, sustentando, em síntese, que, considerando sua idade e seu estado de saúde, e cuidando-se de foro que comporta prorrogação, deve-se decidir de modo a facilitar a articulação da defesa, a exemplo do que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no que se refere a relações de consumo. Desse modo, não tendo ela efetivamente firmado qualquer contrato, não seria justo forçá-la a demandar há mais de 1.300 Km de seu domicílio para que possa vê-los declarados nulos.
Assim, pede a reconsideração do decisum e, acaso mantido, que seja submetido o recurso à apreciação da Egrégia Turma.
VOTO
O Sr. Des. Hildebrando Coelho Neto (Relator)
Ao dar provimento ao recurso de agravo de instrumento, a decisão recorrida consignou o seguinte:

“Trata-se de recurso manejado em face de decisão que, com supedâneo no art. 80 do Estatuto do Idoso (Lei n º 10.741/03), rejeitou a exceção de incompetência manejada pelo agravante nos autos da ação de nulidade de ato jurídico que lhe move a agravada.
(...)
O agravante, por seu turno, argumenta que seria inaplicável ao caso a Lei 10.741/03, devendo prevalecer, portanto, o foro do domicílio do réu (art. 94 do CPC) ou, alternativamente, o foro da situação da coisa (art. 95 do CPC).
O recurso merece provimento.
Dispõe o art. 80 da Lei 10.741/03, verbis:

“Art. 80. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do domicílio do idoso, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas as competências da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores”.
Da leitura do dispositivo, verifica-se que o legislador restringiu a aplicabilidade da norma em comento ao capítulo em que se encontra inserido o texto legal, intitulado “Da Proteção Judicial dos Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Indisponíveis ou Homogêneos” (capítulo III da Lei 10.741/03).
Com isso, torna-se desnecessário maior esforço exegético para se chegar à conclusão que a previsão contida no art. 80 do referido diploma legal diz respeito, tão somente, às demandas coletivas em defesa dos direitos do idoso, bem assim às ações individuais que, intentadas em favor de pessoas com idade igual ou superior a sessenta (60) anos, versem sobre direitos indisponíveis, em cujas hipóteses não se amolda o caso em apreço, onde se discute, inegavelmente, direito patrimonial disponível.
Aliás, a própria magistrada da instância singela reconhece o acima exposto, quando aduz que “ainda que referido Estatuto tenha estabelecido o foro de domicílio do idoso apenas para o trâmite das ações que tenham por intuito a proteção dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos (artigo 80), há que se fazer uma interpretação extensiva dessa disposição, em prestígio aos objetivos de facilitação do acesso à justiça, pacificação social e prioridade na tramitação dos feitos em que figure como parte pessoa com mais de 60 anos” (f. 122-123-TJMS).
Ademais, ainda que se admita a pretendida interpretação extensiva, deve-se considerar que o agravante, da mesma forma que a agravada, possui mais de sessenta (60) anos, conforme reconhecido pela própria juíza a qua na decisão vergastada - quando asseverou que “embora o excipiente também seja pessoa idosa, o fato é que, no presente caso, ao que se constata, a excepta apresenta-se em situação de maior fragilidade” (f. 124-TJMS) - e comprovado por meio da certidão de nascimento acostada pelo agravante (f. 34-TJMS).
Assim, mesmo que se pudesse cogitar da aplicação do Estatuto do Idoso ao caso em comento, se um dos litigantes que figuram na outra extremidade da demanda também se trata de pessoa idosa, não haveria sustentáculo normativo para, em detrimento das disposições legais atinentes à competência territorial, se estabelecer tamanho privilégio à agravada, mormente considerando o disposto no art. 125, I, do Código de Processo Civil, cujo texto assegura tratamento isonômico às partes litigantes.
Portanto, afastada a aplicação do art. 80 da Lei 10.741/03, torna-se inegável a incompetência do juízo de Campo Grande para conhecer da demanda.
Todavia, não é de ser aplicado, in casu, o disposto nos art. 95 da Lei Adjetiva, mas sim o contido no art. 94 daquele diploma processual, cujo texto estabelece, como regra geral de foro para a propositura das ações de natureza pessoal, o domicílio do réu.
Com efeito, compulsando-se os autos, verifica-se que a demanda proposta pela agravada (f. 129-137-TJMS) visa obter a declaração judicial de “nulidade do Contrato de Parceria Rural de Florestamento de Pinus firmado em 10 de maio de 2004, e do Contrato de Sub-Arrendamento de Parceria Rural com Florestamento de Pinus Taeda firmado entre o primeiro requerido e o segundo requerido, em 05 de agosto de 2004” (f. 136-TJMS), com base em pretensa inexistência de poderes do mandatário para a celebração da avença.
Dessa forma, verifica-se que o objeto da demanda é a invalidação do contrato firmado pelos requeridos, sendo eventuais consequências possessórias – aliás, sequer pleiteadas na inicial da ação anulatória - meras decorrências secundárias da decisão a ser prolatada, de modo que, ante a evidente natureza pessoal da demanda, não há falar em incidência do foro rei sitae.
Tampouco se faz possível a imposição, à agravada, do foro de eleição previsto contratualmente (f. 183-185-TJMS), na medida em que esta não reconhece como válido o contrato firmado pelo mandatário, sendo a ausência de poderes específicos deste último para a contratação o argumento precípuo contido na inicial da ação de nulidade de ato jurídico por ela proposta.
A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO VISANDO A ANULAÇÃO DE CONTRATO. COMPETÊNCIA. FORO DE ELEIÇÃO. NÃO PREVALÊNCIA. AÇÃO DE NATUREZA PESSOAL. PROPOSITURA NO FORO DO DOMICÍLIO DO RÉU.
- Nas ações que têm como objeto o próprio contrato e o fundamento é a sua invalidade, o foro de eleição não prevalece, pois a ação não tem como causa de pedir o contrato, mas fatos ou atos jurídicos externos e até mesmo anteriores ao próprio contrato.
- Quando a ação não é oriunda do contrato, nem se está postulando a satisfação de obrigações dele decorrentes, mas a própria invalidade do contrato, a ação é de natureza pessoal e, portanto, deve ser proposta no domicílio do réu, como manda o art. 94 do CPC.
Recurso não conhecido” (STJ - REsp 773753/PR - Rel. Ministra Nancy Andrighi - Terceira Turma – j. 04.10.2005 – In DJ de 24.10.2005, p. 326)

“EMENTA. ANULAÇÃO DE CONTRATO. FORO COMPETENTE. REGRA GERAL. FORO DE ELEIÇÃO. NÃO APLICAÇÃO.
Não se cogitando de ‘‘processos oriundos do contrato’’, mas de sua anulação, não é de aplicar-se a cláusula de foro de eleição mas sim as regras gerais sobre o foro competente” (STJ - REsp 6237/SP, Rel. Ministro Cláudio Santos - Terceira Turma - j. 16/12/1992 – In DJ de 19/04/1993, p. 6676).
Destarte, impõe-se a remessa do feito à Comarca de Caxias do Sul (RS), local onde, de acordo com a qualificação contida na inicial da ação anulatória (f. 129-TJMS) e na prefacial da exceção de incompetência (f. 24-TJMS), se encontra domiciliado o agravante.
Por fim, quanto à aventada conexão entre a demanda de origem e a ação de manutenção de posse em trâmite na Comarca de Antonio Prado (RS), denota-se não ser possível aquilatar, com segurança, da análise dos documentos anexados à peça recursal, a efetiva data de citação levada a efeito em uma e outra demanda, o que se mostra primordial para a fixação da prevenção em se tratando de demandas propostas perante juízes de competência territorial diversa, conforme decorre da exegese dos arts. 106 e 219 do Código de Processo Civil. Ademais, não foi carreada aos presentes autos a cópia da inicial da ação de manutenção de posse proposta na comarca de Antonio Prado, o que se faz imprescindível para, diante dos contornos da lide submetida à apreciação daquele juízo, averiguar-se a existência de identidade entre os elementos objetivos da demanda e, bem assim, a real possibilidade de decisões conflitantes. Contudo, nada obsta que o juízo competente, de posse de maiores elementos, decida posteriormente pela reunião dos feitos.
Posto isso, com fulcro no artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, dou provimento ao recurso interposto para o fim de acolher a exceção de incompetência oposta pelo agravante e determinar a remessa dos autos à Comarca de Caxias do Sul (RS)” (f. 234-239-TJMS).

As razões invocadas neste regimental de modo algum me animam a rever o entendimento externado na decisão guerreada, valendo-me dos mesmos argumentos nela contidos para mantê-la integralmente.
Com efeito, limitou-se a recorrente em repetir os argumentos trazidos na insurgência recursal originária, não tendo apontado qualquer fundamento capaz de infirmar a decisão recorrida.
Ora, consoante demonstrado, na esteira do posicionamento jurisprudencial dominante, cuidando-se de demanda de natureza pessoal, deve a ação ser proposta no domicílio do réu, ex vi do disposto no art. 94 do Código de Processo Civil, não contemplando a norma qualquer exceção no que se refere a eventual fragilidade do estado de saúde de algum dos litigantes.
Ademais, não há qualquer correlação entre o precedente jurisprudencial colacionado às f. 245-TJMS e o caso em tela, na medida em que a questão controvertida gira em torno de contrato sinalagmático que, firmado - ao menos a priori - por pessoas físicas capazes e em situação de aparente paridade, não dá ensejo à aplicação qualquer norma de caráter protecionista.
Portanto, a manutenção da decisão proferida às f. 233-239-TJMS se mostra de rigor.
Ante o exposto, por ter a recorrente se limitado a repetir as razões já rechaçadas na decisão hostilizada, sem apontar novos fatos e fundamentos jurídicos que justifiquem a alteração daquele decisum, nego provimento ao regimental.


A Sra  Desª. Tânia Garcia de Freitas Borges (1ª Vogal)

Trata-se de agravo regimental em agravo de instrumento interposto por Vera Helena Hampe Bocchese em face da decisão monocrática que deu provimento de plano ao instrumental acolhendo a exceção de incompetência oposta por Afonso Maria Grezzana e determinando a remessa dos autos principais para a comarca de Caxias do Sul/RS.
O Desembargador Relator afastou a aplicação da regra de competência do foro do domicílio do idoso por entender que a aplicabilidade do art. 80 da Lei 10.741/03 é restrita à proteção dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos e, ademais, ambas as partes contam com mais de 60 (sessenta) anos de idade. Por tais motivos, acolheu a exceção de incompetêcia com base no disposto no art. 94, caput, do CPC.
Ouso divergir do Ilustre Relator.
Como já observei em voto divergente, ao apreciar recurso idêntico (Agravo Regimental em Agravo nº 2009.022098-4/001.00), a demanda principal refere-se a direito pessoal.
Ocorre que, como bem observou a agravante, a questão trazida nos autos principais são relacionadas àquela que foiobjeto de ação de prestação de contas ajuizada nesta comarca e na qual Cassiano Welter Bocchese também havia oposto exceção de incompetêcia que foi, todavia, rejeitada por esta Corte.
É o que se vê na cópia da decisão proferida pelo Desembargador Horácio Vanderlei Pithan, no Agravo de Instrumento nº 2006.001130-0, que assim fundamentou o decisum:

“(...) o Código de Processo Civil estabeleceu como regra geral, no artigo 94, o foro do domicílio do réu para a propositura de ação fundada em direito pessoal e ação fundada em direito real sobre bens móveis.
Por conseguinte, estabeleceu-se no artigo 100, IV, alínea ‘c’, ser compente o foro do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento; e o inciso V, alínea ‘b’ determina ser competente o lugar do ato ou fato para ação em que for réu o administrador ou gestor de negócios alheios.
Dito isso, facilmente se constata que o foro competente para processamento e julgamento da ação de prestação de contas seria o foro do domicílio do réu, ou seja, do administrador dos negócios da agravada.
Contudo, com o advento da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que tem por escopo regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, a regra geral prevista no diploma processual civil deve ser cotejada com os princípios insculpidos na nova ordem jurídica.
O artigo 71 de referido Estatuto, objetivando regulamentar o acesso à justiça do idoso, dispõe ser assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância.
Diante desse quadro, verifica-se que as partes apresentam discordância quanto à competência territorial fixada, a qual admite prorrogação.
No caso dos autos, constata-se que estão em conflito as normas da competência territorial e as normas que determinam a proteção dos direitos dos idosos.
É sabido que o direito não pode sucumbir-se às normas desconsiderando a justiça social e as particularidades dos fatos lhe apresentados, tal qual a situação ora em comento.
Observa-se que a agravada é pessoa idosa (72 anos), possuidora de diabetes Mellitus do tipo 2 e hipertensão arterial sistêmica há pelo menos 4 anos, conforme atestado médico acostado às f. 66 e 84 dos autos.
Assim, nota-se que a orientação adotada pelo magistrado de instância singela é aquela que melhor espelha a distribuição da justiça ao caso, pois seria um contra-senso submeter uma senhora de idade avançada e portadora de patologias graves a freqüentes locomoções a outras cidades para postular seu direito, bem como não seria plausível obstacularizar seu acesso à justiça a fim de ver sua pretensão apreciada em juízo.
Portanto, ao se confrontar as disposições contidas no Código de Processo Civil com o Estatuto do Idoso, norma especial, constata-se que, a fim de assegurar o cumprimento desta, deve ser mantida a competência territorial conforme determinado pelo magistrado de instância singela.
Outrossim, ressalte-se que embora não se trata de proteção judicial dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos, cuja norma legal determina a competência do foro do domicílio do idoso, a medida ainda deve prevalecer, pois, como já dito, a fixação da competência consoante determinada pelo magistrado atende à finalidade daquele Estatuto, norma de cunho especial, com prevalência sobre as normas gerais do Código de Processo Civil.
Tecidas essas considerações e desnecessárias outras tantas, conheço do recurso e nego-lhe provimento, ante sua manifesta improcedência, nos termos do artigo 557, caput, 2ª figura, do Código de Processo Civil, mantendo íntegra a decisão objurgada.”

Contra tal decisão não houve recurso, mantendo-se a competência do foro da comarca de Campo Grande para o processamento e julgamento daquela ação de prestação de contas. Não foi por outro motivo que esta Segunda Turma Cível apreciou o recurso de apelação interposto naquela demanda, rejeitando-o em 02/10/2007 pelo voto dos Desembargadores Julizar Barbosa Trindade, Luiz Carlos Santini e Hildebrando Coelho Neto, Relator do presente regimental.
É certo que não existe conexão entre demanda iniciada e aquela extinta, mas é fácil verificar que aquela ação de prestação de contas e a ação ora em comento tem como objeto a mesma relação jurídica.
Seria, pois, um contrassenso este juízo admitir, em um primeiro momento, que a regra de competência territorial (relativa, diga-se de passagem) não prevalece sobre o interesse de pessoa idosa, para dizer, num segundo momento, o contrário tão-somente pelo fato de o Estatuto do Idoso não prever expressamente regra de competência absoluta do foro do domicílio do idoso em causas que versam sobre direito individual disponível.
Como já observara o Ilustre Desembargador Horácio Vanderlei Pithan, na interpretação da lei o órgão julgador deve considerar sua finalidade e o contexto social da atualidade.
Ora, no Título VIII (Da Ordem Social) da Constituição Federal consta o Capítulo VII que trata exclusivamente da família, da criança, do adolescente e do idoso, e cujo artigo 230 prevê expressamente:

“Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.§ 1º - Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares(...)”. (descatou-se)

Por sua vez, o Estatuto do Idoso prevê em seu artigo 3º:

“Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; (...)” (destacou-se)
Na seqüência, a Lei diz que “nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei”. E mais: “é dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso”.

A recorrente, além de contar com mais de 76 anos de idade, é portadora de hipertensão arterial, diabetes Mellitus do tipo 2 e dislipidemia mista, necessitando de acompanhamento médico trimestral. Por conseguinte, a remessa dos autos para comarca longínqua do domicílio da recorrente sem dúvida pode lhe causar prejuízo, seja à saúde (com a necessidade de deslocamento) ou à defesa (caso não se desloque para a comarca do juízo excipiente quando determinado por aquele juízo). Aliás, consta expressamente ao final do atestado médico: “Portanto, é desaconselhável viagem ou ausência, podendo comprometer ainda mais o seu atual estado clínico”.
De outra sorte, embora haja afirmação de que o recorrido também conta com mais de 60 (sessenta anos), não há qualquer prova nesse sentido, tampouco alegação de que seu estado de saúde é precário. Ademais, é certo que o agravado era mandatário da agravante, presumindo-se, pois, que se encontra em plena atividade laboral e tem, desse modo, condições físicas e mentais para promover sua defesa nesta comarca.
Em síntese, considerando que a regra da competência territorial não é absoluta e, por outro lado, há diploma legal a embasar, ainda que por analogia, a pretensão recursal da agravante, entendo que a exceção de incompetência não pode prosperar, devendo os autos ser processados e julgados no domicílio da recorrente, ou seja, nesta comarca.
A manutenção dos autos nesta comarca não se trata de luxo ou capricho, mas garantia à preservação do direito à saúde e à vida da recorrente.
Com efeito, ao interpretar a lei, o órgão julgador deve buscar observância ao escopo das normas constitucionais que asseguram tratamento diferenciado àqueles que considerou hipossuficientes. Como observa Konrad Hesse[1]:

“(...) a força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente (...). Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral - particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de poder (...), mas também a vontade de Constituição (...)”

Ora, se a Constituição Federal de 1988 já previa a realização de políticas e garantias à pessoa idosa e o legislador infraconstitucional, em 2003, consagrou tais garantias no Estatuto do Idoso, é fácil vislumbrar que a sistemática processual atual deve ser interpretada em conformidade com tais diplomas jurídicos, tratando os desiguais de forma desigual para assegurar a realização da justiça no caso em concreto.
Reflexo dessa nova sistemática processual encontra-se em julgado proferido pela 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que afastou a regra de competência absoluta de processamento da ação de exoneração de alimentos no domicílio do alimentado, tendo em conta que os alimentantes, autores da demanda, eram pessoas idosas:

“Agravo de instrumento - Exoneração de alimentos - Pedido formulado pelos avós paternos - Fixação da competência - Domicílio dos alimentantes - Possibilidade - Situação peculiar - Hipossuficiência reconhecida - Recurso provido.
A lei processual civil adota o critério da hipossuficiência na fixação da competência em ação de alimentos, visando à proteção da parte mais fraca na relação jurídica processual.
A hipótese dos autos configura situação peculiar, em que a dificuldade financeira dos quase octogenários alimentantes contrasta com a situação dos credores, jovens e em pleno vigor físico, ainda que tenham direito a alimentos.
No que diz respeito à constitucionalidade das normas, a regra especial de competência não fere o princípio constitucional da isonomia. A hipótese é de tratar desigualmente partes desiguais, vale dizer, de discriminação justa.
O artigo 10 do Estatuto do Idoso estabelece que é obrigação do Estado e da sociedade assegurar à pessoa idosa o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis. O parágrafo 3o dispõe que é dever de todos zelar pela dignidade do idoso.
1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por C C e A LC, tirado de ação de exoneração de alimentos que ajuizaram contra C C C e B C C, representado por sua mãe, contra decisão em que o juiz acolheu exceção de incompetência e determinou a remessa dos autos a uma das varas cíveis da comarca de Bueno Brandão, Estado de Minas Gerais.
Alegam os agravantes, em síntese, que a decisão nega seu acesso ao judiciário, pois próximos dos oitenta anos de idade, com a saúde comprometida e dependendo de medicamentos de uso contínuo para controlar suas enfermidades, não têm condição física nem recursos financeiros para suportar a locomoção para a distante cidade de Bueno Brandão; as mesmas dificuldades foram decisivas na prolação de sentença que lhes foi desfavorável em ação de alimentos, pois não puderam comparecer àquele juízo para exercer o contraditório e a ampla defesa.
Concedido o efeito suspensivo, os agravados não ofereceram resposta e o parecer do Procurador de Justiça é pelo provimento do recurso.
2. Os agravantes são avós paternos dos agravados e deixaram de oferecer contestação em ação de alimentos em que figuraram como réus. Apenas enviaram carta ao juízo na qual expunham sua difícil situação financeira, anexando comprovantes de despesas. O juízo desconsiderou a manifestação ‘ante a incapacidade postulatória dos mesmos’ (fl. 48), reconheceu a revelia e julgou a ação procedente, condenando-os ao pagamento de pensão alimentícia no valor correspondente a um salário mínimo (fls. 47/49).
Além disso, enfrentando dificuldades para localizar o genitor, os credores desistiram da execução de alimentos contra ele ajuizada ‘vez que possível a execução dos alimentos em desfavor dos avós paternos’ (fl. 36); segundo consta, fora determinado o desconto de vinte e três parcelas devidas pelo pai dos alimentandos, a título de atrasados, dos proventos dos avós, ora agravantes.
Dessa forma, dos proventos de aposentadoria por idade (R$745,00), sobreveio desconto de R$461,65, restando R$283,40 para a subsistência dos agravantes (fl. 33).
A lei processual civil adota o critério da hipossuficiência na fixação da competência em ação de alimentos, visando à proteção da parte mais fraca na relação jurídica processual. Essa é a lição que se colhe de Patrícia Miranda Pizzol(...)
Ora, a hipótese dos autos configura situação peculiar, em que a dificuldade financeira dos quase octogenários alimentantes contrasta com a situação dos credores, jovens e em pleno vigor físico, ainda que tenham direito a alimentos.
De um lado temos os agravantes - ele com setenta e oito e ela com setenta e cinco anos de idade -, semianalfabetos, tendo como única fonte de renda os aludidos proventos, necessitando de medicamentos de uso continuo (Triatec, Aldazida, Aprozide - fl. 36) e com as necessidades próprias
de sua idade.
De outro, alimentandos maiores e capazes – ela nascida em julho de 1984, bacharel em direito, estagiária no fórum, recebendo bolsa; ele, nascido em julho de 1990, com ensino médio já concluído; sua genitora é funcionária pública, assistente social do fórum da comarca de Bueno Brandão (fl. 39).
Como bem observou o Procurador de Justiça, na hipótese dos autos ocorreu ‘evidente inversão de valores, na medida em que hipossuficientes, no caso em comento, são os alimentantes/agravantes, e não os alimentandos’ (sic).
O artigo 10 do Estatuto do Idoso estabelece que é obrigação do Estado e da sociedade assegurar o respeito e a dignidade do idoso, como pessoa humana e sujeito de direitos civis. O parágrafo 3o dispõe que é dever de todos zelar pela dignidade do idoso. (...)
Na expressão de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, em comentário ao artigo 100 do Código de Processo Civil, no que diz respeito à constitucionalidade das normas, a regra especial de competência não fere o princípio constitucional da isonomia. A hipótese é de tratar desigualmente partes desiguais, vale dizer, de discriminação justa 2. Tal interpretação é dada no caso dos autos, em face da aparente desigualdade das partes, considerada a situação já mencionada, de molde a propiciar que a exoneratória tenha curso no foro do domicílio dos ahmentantes.
Por fim, ‘na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’ (LICC 5o).
Assim, tendo em vista as circunstâncias que se apresentam, ainda que em cognição sumária como se dá neste agravo, é reconhecida a hipossuficiência dos alimentantes quanto à determinação de competência, razão pela qual a apreciação e julgamento da exoneração de alimentos deve se dar no juízo da 3a Vara Cível da Comarca de Andradina, onde proposta a ação.
Diante do exposto, dou provimento ao recurso para o citado fim.” (TJSP, Agravo de Instrumento n° 587.415-4/0-00, Comarca de Andradina, 3ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Jesus Lofrano, J. 17 de fevereiro de 2,009)

Em síntese, a competência do juízo da comarca de Campo Grande deve ser mantida, diante da hipossuficiência da recorrente, que é idosa e sofre de enfermidade que a impede de se locomover com segurança, considerando os princípios constitucionais que asseguram tratamento preferencial à pessoa idosa que visam, acima de tudo, assegurar observância aos princípios da isonomia, do direito de acesso à justiça, do devido contraditório e da ampla defesa e, finalmente, considerando o fato de que a regra de competência territorial prevista no caput do art. 94 do CPC não é absoluta.
Posto isso, pedindo vênia ao e. Relator, dou provimento ao presente regimental para rejeitar a exceção de incompetência suscitada pelo recorrido, mantendo a competência do juízo desta comarca.


O Sr. Des. Julizar Barbosa Trindade (2º Vogal)
De acordo com a 1ª vogal.

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