quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Monitória X endosso

Decisão do TJMG, disponível no respectivo site, aqui copiada na íntegra:

Número do processo: 2.0000.00.453498-5/000(1) Númeração Única: 4534985-33.2000.8.13.0000
Relator: EDUARDO MARINÉ DA CUNHA
Relator do Acórdão: Não informado
Data do Julgamento: 10/12/2004
Data da Publicação: 30/12/2004
Inteiro Teor:

APELAÇÃO - AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUE ENDOSSADO EM BRANCO - PORTADOR - LEGITIMIDADE ATIVA - SENTENÇA CASSADA.

De acordo com reiterada jurisprudência do TAMG, o portador de cheque endossado em branco é, pelo menos em tese, parte legítima para ajuizar ação monitória, visando ao recebimento do valor inscrito no título.

Estando prescrito o cheque, o endosso ali presente deve ser interpretado como cessão de crédito. Eventual descumprimento dos requisitos de validade e eficácia da cessão, porém, devem ser apontados pelo réu, através de embargos.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 453.498-5 da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante (s): JUSCELINO BATISTA DA SILVA e Apelado (a) (os) (as): EMCON ESTRUTURAS METÁLICAS E CONSTRUÇÕES LTDA.,

ACORDA, em Turma, a Nona Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais DAR PROVIMENTO PARA CASSAR A SENTENÇA.

Presidiu o julgamento o Juiz WALTER PINTO DA ROCHA (Revisor) e dele participaram os Juízes MARINÉ DA CUNHA (Relator) e IRMAR FERREIRA CAMPOS (Vogal).

O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado, na íntegra, pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Belo Horizonte, 10 de dezembro de 2004.

JUIZ MARINÉ DA CUNHA

Relator

V O T O

O SR. JUIZ MARINÉ DA CUNHA:

Trata-se de ação monitória proposta por JUSCELINO BATISTA DA SILVA contra EMCON ESTRUTURAS METÁLICAS E CONSTRUÇÕES LTDA., afirmando que, em transações efetuadas com terceiros, recebera três cheques emitidos pela requerida. Porém, ao apresentar os títulos, foram estes devolvidos, em virtude de contra-ordem. Pediu fosse a ré citada para o pagamento de R$6.724,51 ou para interpor embargos.

O Juiz extinguiu a demanda, por ilegitimidade do autor.

Inconformado, o autor interpôs apelação, afirmando que, em um dos cheques, constava seu nome e que os outros dois foram endossados em banco. Pediu fosse provido o apelo, aplicando-se o disposto no art. 515, §3º, do CPC.

Conheço do recurso, eis que próprio, tempestivo, regularmente processado e preparado.

Para que se aprecie, corretamente, a sentença, interessante verificar os ensinamentos doutrinários acerca da legitimidade ad causam:

"A legitimação para agir (legitimatio ad causam) diz respeito à titularidade ativa e passiva da ação. É a pertinência subjetiva da ação, como diz Buzaid.

A ação somente pode ser proposta por aquele que é titular do interesse que se afirma prevalente na pretensão, e contra aquele cujo interesse se exige que fique subordinado ao do autor. Desde que falte um desses requisitos, há carência de ação por ausência de legitimatio ad causam.

Só os titulares do direito em conflito têm o direito de obter uma decisão sobre a pretensão levada a juízo através da ação. São eles portanto os únicos legitimados a conseguir os efeitos jurídicos decorrentes do direito de ação." (José Frederico Marques. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. 3ª ed. rev Forense, Rio de janeiro, 1966, p. 41.).

"A terceira condição do direito de ação é a qualidade para agir, legitimidade ou legitimação para agir (legitimatio ad causam).

O autor deve ter título em relação ao interesse que pretende seja tutelado.

Por outras palavras, o autor deverá ser titular do interesse que se contém na sua pretensão com relação ao réu. Assim, à legitimação para agir em relação ao réu deve corresponder a legitimação para contradizer deste em relação àquele. Ali, legitimação ATIVA; AQUI, LEGITIMAÇÃO PASSIVA." (Moacyr Amaral Santos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 1º volume. 5ª ed., Saraiva, 1977, São Paulo, p. 146).

Sendo o cheque cuja cópia se encontra à f. 8 nominal ao ora autor, não há dúvida de que tem este legitimidade para mover ação monitória, visando a receber o valor ali inscrito.

Por outro lado, em relação às outras cártulas (f. 7 e 9), encontrando-se as mesmas endossadas em branco, o seu portador, pelo menos em tese, deve ser considerado credor da quantia registrada, tendo, aparentemente, direito a se valer de ação para receber o quantum debeatur. Nesse sentido, a jurisprudência predominante deste Tribunal:

"AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUE PRESCRITO - ENDOSSO - QUITAÇÃO - TÍTULO AUTÔNOMO - CAUSA DEBENDI.

- O endosso em branco de cheque transmite o título e com ele todos os direitos, podendo o portador livremente proceder à sua circulação, considerando-se prova hábil ao ensejo da ação monitória.

- O crédito do negócio subjacente se evidenciou na cambial, motivo pelo qual, não cabe a indagação da causa debendi do título entre o emitente do cheque e o endossatário.

Compete ao réu fazer prova de suas alegações, demonstrando os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Inteligência do disposto no inciso II do artigo 333 do CPC." (TAMG, 6ª Câm. Cível, Ap. Cível nº 385.780-3, rel. Juiz Valdez Leite Machado, j. em 27.2.2003).

"Ação Monitória - Endosso em branco - Legitimidade ativa do possuidor do título - Cheque prescrito - Necessidade de se comprovar o negócio jurídico subjacente.

- Havendo endosso em branco, deve-se concluir pela legitimidade do possuidor do título para propositura da ação monitória com vistas ao recebimento da importância consignada. (...)" (TAMG, 1ª Câm. Cível, Ap. Cível nº 385.029-5, rel. Juiz Pedro Bernardes, j. em 18.2.2003).

"AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUE PRESCRITO - ENDOSSO EM BRANCO - LEGITIMIDADE ATIVA DO PORTADOR - CESSÃO DE CRÉDITO NA FORMA DA LEI CIVIL COMUM - DÍVIDA DE DINHEIRO - CORREÇÃO MONETÁRIA - JUROS LEGAIS - INCIDÊNCIA - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 219 DO CPC E 1º, § 2º DA LEI 6.899/81.

O portador de cheque prescrito nominal a terceiro, com endosso em branco deste, é parte legítima para figurar no pólo ativo da ação monitória. (...)" (TAMG, 4ª Câm. Cível, Ap. Cível nº 370.585-5, rel. Juiz Saldanha da Fonseca, j. em 2.10.2002).

"AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUE NOMINAL - ENDOSSO - CÁRTULA QUE CONSTITUI PROVA ESCRITA HÁBIL A DEMONSTRAR A EXISTÊNCIA DE DÍVIDA - PROCEDIMENTO LEGAL.

O endosso é o instrumento pelo qual se transmite a titularidade do título, continuando o endossante como responsável pelo pagamento.

Tendo demonstrado o credor que é titular do crédito mediante endosso realizado no cheque, que perdeu sua eficácia executiva, tem ele direito de usar da ação monitória para ver recebido seu crédito." (TAMG, 7ª Câm. Cível, Ap. Cível nº 362.489-3, rel. Juiz José Affonso da Costa Côrtes, j. em 22.8.2002).

Apreciando caso muito semelhante ao presente, esta Corte já deixou claro que não há que se falar em ilegitimidade ativa:

"AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUE PRESCRITO - ENDOSSO EM BRANCO - BOA FÉ DO PORTADOR - ILEGITIMIDADE ATIVA - AUSÊNCIA.

A boa fé sempre é presumida. Trata-se de presunção relativa que cede ante prova em contrário a ser alegada e provada pela parte contrária.

Ausente controvérsia a respeito do endosso realizado sobre o cheque prescrito, cujo portador tem em seu favor a presunção de ser o legítimo credor do débito correspondente ao mesmo, não cabe o indeferimento da inicial pela eventual ilegitimidade ativa deste.

Recurso provido." (TAMG, 7ª Câm. Cível, Ap. Cível nº 342.473-9, rel. Juiz Antônio Carlos Cruvinel, j. em 10.10.2001).

Assim, resta evidenciado que a sentença está a merecer reforma, para que se imprima regular andamento ao feito.

Não se pode deixar, ainda, de observar que, encontrando-se prescritos os cheques que instruíram a inicial, o endosso deve ser interpretado como verdadeira cessão de crédito:

"MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. CARÁTER DO DOCUMENTO. ENDOSSO. CESSÃO DE CRÉDITO. CAUSA SUBJACENTE.

É possível manejar a monitória, para cobrança de cheque prescrito. Entretanto, perde ele sua condição de cambial, devendo ser demonstrada a causa subjacente; prescrito o cheque para a ação executiva e de locupletamento ilícito, descabe a alegação de abstração e autonomia da obrigação, no manejo da monitória; com a descaracterização do título cambial, o endosso do cheque prescrito torna-se mera cessão de crédito; se o crédito inexiste na origem, inexiste na cessão, porque ninguém transfere a outro um direito melhor que o próprio." (TAMG, 5ª Câm. Cível, Ap. Cível nº 361.001-5, rel. Juiz Armando Freire, j. em 16.5.2002).

Porém, qualquer dúvida acerca da regularidade da cessão de crédito, isto é, relativa ao eventual descumprimento de seus requisitos de validade e eficácia, deverá ser levantada pela ré, nos embargos, caso julgue necessário e conveniente.

Por fim, de se notar que não cabe, nessa ocasião, a aplicação do disposto no §3º, do art. 515, do CPC, eis que a requerida sequer foi citada, até o presente momento.

Com tais considerações, dou provimento à apelação, cassando a sentença e determinando que se imprima regular prosseguimento à demanda, inclusive com a devida citação da ré.

Custas recursais, ex lege.

JUIZ MARINÉ DA CUNHA

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