quarta-feira, 22 de junho de 2011

decisao sobre revisao de beneficio previdenciario

Essa é para ler. Não pela matéria previdenciária, mas sim processual.

PEDIDO 200772510074602
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL
Relator(a)
JUIZ FEDERAL OTÁVIO HENRIQUE MARTINS PORT
Fonte:
DOU 24/05/2011 SEÇÃO 1
Decisão
Visto, relatado e discutido este processo, em que são partes as acima indicadas, decide a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, por maioria, conhecer do Incidente de Uniformização, negando-lhe provimento, nos termos do voto do Relator.
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. OFERECIMENTO DE CONTESTAÇÃO PELO RÉU SEM ENFRENTAR O MÉRITO DO PEDIDO INICIAL. AUSÊNCIA DO INTERESSE DE AGIR. 1. Esta Turma Nacional perfilhou o entendimento no sentido de que, não obstante a ausência de prévio requerimento administrativo, caso o INSS, em sua contestação, enfrente o mérito do pedido inicial, resta configurada a pretensão resistida. : Pedido de Uniformização Nacional de Jurisprudência n.º 2006.72.95.020532-9 (Relatora: Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva). 2. No caso específico dos autos, “a contrario sensu”, em que o INSS, em sua contestação, não enfrentou o mérito do pedido, não resta configurada a pretensão resistida. Por tal razão, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito. 3. Incidente conhecido e improvido.
Data da Decisão
16/11/2009
Data da Publicação
24/05/2011
Objeto do Processo
Requerimento Administrativo - Disposições Diversas Relativas às Prestações - Direito Previdenciário


Inteiro Teor I – RELATÓRIO Trata-se de pedido de uniformização interposto, tempestivamente, pela parte autora, com fundamento no § 2º do art. 14 da Lei nº 10.259/2001, em face de acórdão da Turma Recursal do Juizado Especial Federal de Santa Catarina, em demanda visando à revisão da renda mensal inicial mediante a averbação de tempo rural. A Turma Recursal manteve pelos próprios fundamentos a sentença que julgou extinto o feito sem resolução do mérito, diante da falta de interesse de agir, uma vez ausente o prévio requerimento administrativo. Inconformada com o “decisum”, interpôs a parte autora o presente pedido de uniformização de jurisprudência, no qual sustenta que a Turma Recursal contrariou o entendimento das Turmas Recursais de São Paulo e de Goiás, do STJ e do STF. Apontou os seguintes julgados como paradigmas: a) Da Turma Recursal de São Paulo, processo n.º 2003.61.85.000047-8; b) Da Turma Recursal de Goiás, processos n.º 2005.35.00.713422-0 e n.º 2004.35.00.725000-8; c) Do STJ, REsp. n.º 602.843 e REsp. n.º 543.117. Decorrido “in albis” o prazo para contrarrazões. O incidente não foi admitido na origem. A requerimento, o mesmo foi submetido ao Eminente Presidente da Turma Nacional, o qual o admitiu, subindo os autos conclusos para julgamento. É o relatório. II – VOTO O §2º do art. 14 da Lei nº 10.259/2001 prevê a possibilidade de pedidos de uniformização de jurisprudência quando fundados em contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante do STJ, bem como, na existência de divergência entre decisões de Turmas Recursais de regiões distintas. Outrossim, é cediço que, para o conhecimento do incidente, faz-se necessário que haja entre o acórdão recorrido e o(s) julgado(s) apontado(s) como paradigma(s), similitude fática e jurídica entre as questões neles abordadas. Inicialmente, não cabe incidente de uniformização no que tange à contrariedade ao entendimento do Supremo Tribunal Federal. Passo a analisar a divergência em relação às Turmas Recursais de São Paulo e Goiás, bem como ao STJ. Com efeito, o entendimento pessoal deste Relator é no sentido de que, por não haver no requerimento administrativo de revisão a instauração de uma nova relação jurídica administrativa propriamente dita entre o beneficiário e a autarquia previdenciária, e sim uma mera revisão no ato concessório do benefício, com a modificação de alguns de seus elementos, não há como se equiparar as situações de concessão e de revisão de benefício previdenciário. Tal fato daria, no presente caso, ensejo ao não conhecimento do incidente, ante a ausência de similitude fática entre o acórdão recorrido e os acórdãos paradigmas. No entanto, esta Turma, recentemente, no julgamento do pedido de uniformização interposto nos autos do processo n.º 2006.72.95.020532-9, da relatoria da Eminente Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, firmou o entendimento de que há similitude fático-jurídica entre os acórdãos paradigmas das Turmas Recursais de São Paulo e Goiás (os mesmos apontados neste incidente) e o acórdão recorrido. Transcrevo, a seguir, a ementa do julgado: “PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO SOBRE QUESTÃO DE FATO. SENTENÇA QUE JULGA EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR CARACTERIZADA. 1. Pedido não conhecido em relação aos acórdãos do STJ invocados como paradigmas por ausência de similitude fático-jurídica, na medida em que a exigência de prévio requerimento administrativo para fins de demonstração da existência de interesse processual no âmbito do microsistema dos juizados apresenta peculiaridades fático-jurídicas diversas daquelas relativas às varas federais comuns, como a maior acessibilidade aos Juizados Federais (sem a exigência do pagamento de custas e nem do acompanhamento de advogado) e a maior celeridade e informalidade dos Juizados Federais (que, para isso, pressupõem mais fortemente o prévio exame das questões na via própria: a via administrativa). Precedentes desta Turma Nacional (Proc. nº 2005.72.95.006179-0, Rel. Juiz Federal Alexandre Miguel, DJU 26.10.2006; Proc. nº 2004.70.95.006951-2, Rel. Juiz Federal Valter Antoniassi Maccarone, DJU 08.09.2008). 2. Embora o acórdão recorrido trate de um caso de revisão de benefício já concedido, enquanto os acórdãos de Turmas Recursais de diferentes regiões invocados como paradigmas cuidem de casos de concessão de benefícios, há similitude fático-jurídica entre os acórdãos contrastados considerando que a solução a ser dada a ambas as situações é idêntica. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo em matéria previdenciária não é uma questão meramente processual, mas, sim, uma questão de direito material afeta à própria garantia constitucional de amplo acesso ao Poder Judiciário. 4. No âmbito do microsistema dos juizados, a solução é a mesma em relação à concessão de benefício previdenciário e em relação à revisão sobre questão de fato não examinada no ato de concessão de benefício previdenciário: exige-se prévio requerimento administrativo para a caracterização de interesse processual legítimo. 4.1 Isto justifica a extinção do processo sem resolução do mérito mediante indeferimento da inicial ou, se houver citação, após o decurso do prazo da contestação, se não houver a apresentação de contestação de mérito pelo INSS. 4.2 Isto não justifica a extinção do processo sem resolução do mérito se houver contestação de mérito pelo INSS. 5. Em se tratando de revisão exclusivamente sobre critério de cálculo relativo a ato de concessão de benefício previdenciário, não se exige prévio requerimento administrativo, sendo público e notório que o INSS não admite este tipo de revisão. 6. Porém, uma exceção à exigência de prévio requerimento administrativo há de ser admitida: quando no caso concreto ficar evidenciada a falta de acesso do segurado ou dependente previdenciário ao próprio INSS (o que tem sido freqüentemente constatado no âmbito dos Juizados itinerantes, especialmente na Amazônia). Isto porque, neste contexto, o cumprimento desta exigência é impossível. 7. Aliás, essa mesma linha de entendimento também se aplica em relação ao benefício assistencial de prestação continuada de que trata da Lei nº 8.742/93. 8. Pedido parcialmente conhecido e provido para fins de anulação da sentença para regular processamento e julgamento do feito.” Desse modo, ressalvado meu entendimento pessoal, o presente incidente merece ser conhecido. Dito isto, passo a análise do mérito. Conforme acima mencionado, esta Turma Nacional de Uniformização, quando do julgamento do incidente nº 2006.72.95.020532-9, acerca da matéria, perfilhou o seguinte entendimento, expresso no voto da E. Relatora: (...) Quando o beneficiário previdenciário, segurado ou dependente, provoca a atuação do Poder Judiciário após o prévio indeferimento de seu requerimento na via administrativa, não há dúvida alguma sobre a possibilidade de exame de sua pretensão, dada à evidente presença de lide, tendo em vista a presença de uma pretensão lesionada. O problema surge quando o beneficiário previdenciário provoca a atuação do Poder Judiciário sem o prévio requerimento na via administrativa, isto é, sem a prévia provocação da Administração previdenciária, do INSS. Nesta situação, é assente o entendimento jurisprudencial, dentro e fora do microsistema dos juizados, no sentido de que, ainda que não haja prévio requerimento administrativo, o beneficiário previdenciário pode legitimamente provocar a atuação do Poder Judiciário se o INSS apresentar contestação de mérito, resistindo e se opondo à pretensão da parte autora e com isso caracterizando a existência de lide. E, diante da ausência de prévio requerimento administrativo, quando a inicial foi indeferida antes mesmo da citação do INSS? Ou quando o INSS simplesmente suscitou preliminar de ausência de interesse processual no prazo da contestação, deixando de apresentar contestação de mérito? Nestas duas situações, no âmbito do microsistema dos juizados, entendo que a ação deve realmente ser extinta sem resolução do mérito por falta de demonstração da existência de lide e, assim, por inexistência de efetiva necessidade de provocação do Poder Judiciário. Ora, os juizados têm um sistema todo peculiar voltado à celeridade e eficiência processuais. Dentro deste microsistema regulamentado por legislação especial não há a exigência dos autores contratarem advogados, assim como não há a exigência do pagamento de custas processuais. Ocorre que esta facilitação de acesso aos juizados não pode afetar a harmonia dos Poderes já delineada pela Constituição Federal mediante a prática de atos atípicos pelos Poderes. Assim sendo, a facilitação de acesso aos juizados não pode chegar ao ponto de justificar a substituição da Administração previdenciária pelo Poder Judiciário, posto que o exercício desta atividade de forma atípica pelo Poder Judiciário não está prevista na Constituição. O Poder Judiciário não pode virar “balcão do INSS”. A inversão da ordem natural das coisas não pode virar a regra. E natural é que haja prévia provocação da via administrativa, esfera própria na qual os benefícios previdenciários devem ser concedidos e revisados. Não fosse assim, estar-se-ia admitindo um abuso do direito de demandar propiciado pela facilitação de acesso aos juizados (sem exigência de acompanhamento por advogado e do pagamento de custas processuais), admitindo-se o incremento do número de ações ajuizadas de forma desproporcional à efetiva necessidade de intervenção do Poder Judiciário, e, assim, sem interesse processual legítimo, o que prejudicaria a celeridade e a eficiência do andamento das demais ações, estas sim ajuizadas com efetiva necessidade. Ademais, a falta de confiabilidade da população na eficiência dos serviços prestados pelo INSS não justifica a substituição da Administração pelo Poder Judiciário. Os problemas de cada um devem ser resolvidos internamente, cabendo ao Poder Judiciário se substituir ao INSS apenas diante da presença de uma lide, de uma controvérsia já instituída. Aliás, a extinção do processo sem resolução do mérito diante da ausência de prévio requerimento administrativo e quando não houve contestação de mérito pelo INSS não acarreta qualquer prejuízo ao beneficiário previdenciário. Pelo contrário, ao compeli-lo a provocar o INSS, descortina para ele a possibilidade de concessão do benefício diretamente na via administrativa sem maiores delongas e, se assim não for, a possibilidade de instrução adequada e mais célere do requerimento administrativo, seja com a documentação a ser apresentada pelo requerente e a ser eventualmente complementada conforme exigências da autarquia, seja com os registros constantes dos cadastros do próprio INSS. Se tudo fosse diretamente instruído na via judicial, haveria igualmente uma instrução adequada, mas certamente menos célere e direcionada do que na via administrativa, que já dispõe dos dados relevantes em seus arquivos. Daí por que a maior celeridade e informalidade dos Juizados Federais pressupõem mais fortemente o prévio exame das questões na via própria: a via administrativa. Por fim, registro que a necessidade de prévio requerimento administrativo quando não houve contestação de mérito pelo INSS se afigura presente tanto quando se trata de concessão de benefício previdenciário, como quando se trata de revisão sobre questão de fato relativa a ato de concessão de benefício previdenciário, como no caso, mas, não quando se trata de revisão exclusivamente sobre critério de cálculo relativo a ato de concessão de benefício previdenciário. Isto porque, em se tratando de revisão sobre questão de fato não examinada no ato de concessão (como acréscimo de tempo de serviço não examinado no ato de concessão), se a questão não for previamente submetida ao INSS poderá igualmente não haver lide, eis que, muitas vezes, o INSS admite tal sorte de revisão. Entretanto, em se tratando de revisão exclusivamente sobre critério de cálculo relativo a ato de concessão de benefício previdenciário, é público e notório que o INSS não admite este tipo de revisão. Destarte, tanto em relação à concessão de benefício previdenciário, quanto em relação à revisão sobre questão de fato não examinada no ato de concessão de benefício previdenciário, voto por uniformizar o entendimento no sentido de que no âmbito do microsistema dos juizados, exige-se prévio requerimento administrativo para a caracterização de interesse processual legítimo: 1) o que justifica a extinção do processo sem resolução do mérito mediante indeferimento da inicial ou, se houver citação, após o decurso do prazo da contestação, se não houver a apresentação de contestação de mérito pelo INSS; 2) o que não justifica a extinção do processo sem resolução do mérito se houver contestação de mérito pelo INSS. Assim, o juiz de Juizado não está obrigado a processar o feito ajuizado sem prévio requerimento, podendo indeferir a inicial. Porém, uma exceção há de ser admitida, quando, no caso concreto, ficar evidenciada a própria falta de acesso do segurado ou dependente previdenciário ao INSS (o que tem sido freqüentemente constatado no âmbito dos juizados itinerantes, especialmente na Amazônia). Isto porque, neste contexto, o cumprimento da exigência de prévia apresentação de requerimento administrativo é impossível. Portanto, se não há possibilidade de em certo e determinado contexto ter acesso ao INSS, então isto também não pode ser exigido para fins de acesso ao Judiciário. Tal situação deverá ser aferida caso a caso pelo julgador e, se for o caso, deve ser alegada por quem se sentir prejudicado. Ocorre que esta situação é absolutamente excepcional e não parece justo que, sozinha, ela impeça a uniformização que se faz indispensável ao apaziguamento da questão a nível nacional. Aliás, essa mesma linha de entendimento também se aplica em relação ao benefício assistencial de prestação continuada de que trata da Lei nº 8.742/93. Ao fim e ao cabo, a uniformização ora proposta somente se distancia do entendimento do STJ no que diz respeito à possibilidade de extinção do processo sem resolução do mérito no âmbito do microsistema dos juizados, que fica restrita aos casos em que não houve a apresentação de contestação de mérito pelo INSS. Finalmente, adotando-se essa linha de entendimento, considerando que no presente caso foi extinto, sem resolução do mérito, processo em que se buscava a revisão de aposentadoria por tempo de serviço mediante o cômputo do período compreendido entre 14.11.67 e 20.03.71 como tempo de serviço especial, por ausência de prévio requerimento administrativo, embora o INSS tenha apresentado contestação de mérito à respeito (fls. 30-34), o pedido de uniformização merece ser provido para fins de anulação da sentença para regular processamento e julgamento do feito. Ante o exposto, voto por conhecer parcialmente e dar provimento ao pedido de uniformização para fins de anulação da sentença para regular processamento e julgamento do feito, o que prejudica o exame do Recurso Extraordinário interposto. (...)”. Assim, adotando o mesmo fundamento, pela interpretação do julgado acima reproduzido, depreende-se que, no caso específico dos autos, em que o INSS não apresentou contestação, não resta configurada a pretensão resistida. Por tal razão, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito. Ante o exposto, conheço do pedido de uniformização e nego-lhe provimento. É o voto. Brasília, 19 e 20 de outubro de 2009. Otávio Henrique Martins Port Juiz Federal Relator VOTO DIVERGENTE Sem embargo das ponderáveis razões alinhavadas no voto oferecido pelo culto juiz relator, ouso manifestar-me em sentido divergente. Discute-se na espécie a necessidade de prévio indeferimento administrativo como condição da ação de revisão de benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, em que se pretende o reconhecimento de tempo de serviço especial e, consequentemente, elevação do coeficiente de cálculo do aludido benefício. A divergência que ora manifesto é consubstanciada por três premissas: 1ª) no desenho do sistema recursal dos Juizados Especiais Federais, inexiste espaço para incidente de uniformização que aporte discussão sobre matéria de natureza processual; 2ª) em razão da distinção de natureza ontológica verificada entre as normas de direito processual e aquelas de direito material, ligadas mediante uma relação de instrumentalidade, é logicamente impossível a recondução de regra de direito processual à norma de direito material; 3ª) Inexiste similitude fático-jurídica entre decisões dirigidas à circunstâncias de fato absolutamente distintas, quais sejam, a circunstância primeira de condicionar o acesso à Justiça para fins de concessão de benefício e a circunstância outra de condicionar o acesso à Justiça para sua revisão. Essas três premissas partem do seguinte raciocínio: a criteriosa análise das hipóteses de cabimento e do preenchimento dos requisitos formais de interposição não constituem obstáculos ao manejo dos incidentes, mas o reconhecimento do seu caráter excepcional. O incidente não é a regra, e, sim, a exceção. Quanto ao primeiro dos três pontos acima articulados, socorre-me a clareza da regra inserta no artigo 14, caput, da Lei 10.259/2001: “Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei”. É inegável que a divergência passível de uniformização no âmbito dos Juizados Especiais Federais é aquela correspondente à interpretação de norma de direito material. Por outro lado, em um modelo de jurisdição orientado pela simplicidade e pela celeridade, a interposição de recursos passa a ser o excepcional. Os Juizados não foram concebidos para reproduzir a lógica de interposição sucessiva de recursos. Por veicularem questões de menor complexidade, orientam-se pela conciliação. Não é sem razão que há lugar apenas para um recurso antes da sentença (Lei 10.259/01). Também não é por acaso que inexiste reexame necessário ou condenação em verba honorária senão ao recorrente vencido (Lei 9.099/95, art. 55, 2ª parte). E justamente porque a racionalidade aqui é a de real desestímulo ao manejo da via recursal, os recursos dirigidos às instâncias extraordinárias não podem ser compreendidos mediante uma interpretação ampliativa. Aliás, as hipóteses de recursos e as condicionantes para sua interposição são, já no sistema processual comum, definidas “numerus clausus” e isso como exigência dos princípios constitucionais do devido processo legal e da segurança jurídica. É intuitivo, ademais, que um sistema processual orientado pela informalidade e pela simplicidade, e aplicável a um universo social da mais alta diversidade, não perceba nas normas processuais um valor digno de uniformização. É um campo aberto à criatividade e a uma condução processual permeável às particularidades locais e regionais deste Brasil continental. Nada obstante essa prevalência dos princípios da simplicidade e informalidade processual, a Resolução n 22/2008, do CJF reflete atenção ao fato de que determinadas divergências no processamento dos feitos podem causar insegurança jurídica. Mas antes de criar a possibilidade de interposição de recurso não previsto em lei, idealiza um instrumento de consulta que conduz a um pronunciamento da TNU, a qual estabelecerá o melhor procedimento a ser observado pelas instâncias inferiores. É o que se extrai do parágrafo único do art. 6, da Resolução n 22/2008: “Art. 6 Compete à Turma Nacional processar e julgar o incidente de uniformização de interpretação de lei federal em questões de direito material: (...) Parágrafo único. A Turma Nacional de Uniformização poderá responder a consulta, sem efeito suspensivo, formulada pelos coordenadores dos Juizados Especiais Federais, pelas Turmas Recursais ou Regionais sobre matéria processual, quando verificada divergência no processamento dos feitos”. Logo, não há espaço para interposição de incidente de uniformização ao argumento de que a divergência de procedimentos causa insegurança jurídica, pois para tanto há uma medida específica prevista em normativo infralegal que, adequadamente, recusa-se a ampliar as hipóteses de cabimento de recurso ao arrepio da lei. Antes, compatibiliza o cabimento restrito dos incidentes de uniformização com a necessidade de, em determinadas situações, extirpar a divergência de procedimentos adotados pelas várias instâncias dos Juizados Especiais Federais, sendo suficiente, para tanto, que se formule uma mera consulta ao colegiado uniformizador nacional. Inexiste espaço, portanto, para manejo de incidente de uniformização que ofereça discussão sobre matéria de natureza processual: não se criam hipóteses recursais por interpretação ampliativa, por melhor que seja o propósito que mova o aplicador do Direito, especialmente quando se trata de recurso dirigido à instância extraordinária . Passo à segunda premissa inicialmente referida, pedindo vênia para recordá-la: em razão da distinção de natureza ontológica verificada entre as normas de direito processual e aquelas de direito material, ligadas mediante uma relação de instrumentalidade, é logicamente impossível a recondução de regra de direito processual à norma de direito material. Essa argumentação entra em choque, reconheça-se, com o que recentemente restou decidido por esta Turma Nacioal no Pedido de Uniformização nº 2006.72.95.020532-9 (Rel. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, j. 24.04.2009), quando se adotou o entendimento de que “A exigência de prévio requerimento administrativo em matéria previdenciária não é uma questão meramente processual, mas, sim, uma questão de direito material afeta à própria garantia constitucional de amplo acesso ao Poder Judiciário”. Nem sempre este Colegiado decidiu assim, no entanto, como bem lembrou a MM Juíza Federal Relatora do incidente acima mencionado: “Talvez uma das discussões recorrentes mais tormentosas no âmbito desta Turma Nacional seja a natureza da questão relativa à exigência de prévio requerimento administrativo em matéria previdenciária. Em contextos variados, esta Turma Nacional já decidiu: 1) se tratar de questão meramente processual (Proc. nº 2004.39.00.704325-0, Rel. Juíza Federal Maria Divina Vitória, unân., DJU 14.12.2007; Proc. nº 2005.63.06014704-3, Rel. Juíza Federal Daniele Maranhão Costa, maioria, DJU 22.01.2008; e Proc. nº 2004.70.95.006951-2, Rel. Juiz Federal Valter Antoniassi Maccarone, maioria, DJU 08.09.2008); ou 2) se tratar de questão de direito material, e não meramente processual (Proc. nº 2005.72.95.006849-8, Rel. Juiz Federal Marcelo Dolzany da Costa, unân., DJU 23.11.2006; Proc. nº 2005.72.95.006179-0, Rel. Juiz Federal Alexandre Miguel, maioria, DJU 26.10.2006; e Proc. nº 2007.36.00.90.3787-0, Rel. Juiz Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, maioria, DJU 07.11.2008). Assim sendo, desde já me posiciono no sentido de se tratar de questão de direito material, e não meramente processual, aderindo aos fundamentos de votos já proferidos pelos Juízes Federais Élio Wanderley de Siqueira Filho (no Proc. nº 2007.36.00.90.3787-0), Ricarlos Almagro Cunha (no Proc. nº 2004.70.95.006951-2), Marcos Roberto Araújo dos Santos (no Proc. nº 2005.63.06014704-3), Alexandre Miguel (no Proc. nº 2005.72.95.006179-0) e Daniele Maranhão Costa (no Proc. nº 2004.70.95.006951-2, em voto-vista, quando alterou seu posicionamento anterior no Proc. nº 2005.63.06014704-3). O princípio do acesso amplo ao Poder Judiciário está insculpido no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal nos seguintes termos: “XXXV. A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se, ao mesmo tempo, de um princípio e de uma garantia. Como garantia constitucional, o acesso amplo ao Poder Judiciário não existe senão conexionado a um direito lesado ou ameaçado. (...) A propósito, impende ressaltar que o princípio do acesso amplo ao Poder Judiciário não é absoluto, comportando relativizações quanto a limitações relativas à estipulação de prazos (decadenciais, prescricionais, recursais, para ação rescisória, etc) e a limitações relativas a exigências de ordem pecuniária (como custas processuais e depósito recursal prévio). Cuidam-se, sem dúvida, de restrições ao acesso ao Poder Judiciário, mas de restrições indiscutivelmente legítimas. Feitas essas considerações, forçoso é reconhecer que a exigência de prévio requerimento administrativo em matéria previdenciária, e não propriamente de prévio esgotamento da via administrativa, também pode importar em restrição ao acesso ao Poder Judiciário, assim como as limitações relativas à estipulação de prazos e as relativas a exigências de ordem pecuniária. Portanto, a exigência de prévio requerimento administrativo em matéria previdenciária não é uma questão meramente processual, mas, sim, uma questão de direito material afeta à própria garantia constitucional de amplo acesso ao Poder Judiciário, o que enseja o conhecimento do presente pedido de uniformização”. Ora, se o “princípio do acesso amplo ao Poder Judiciário não é absoluto, comportando relativizações” quanto à “estipulação de prazos” ou a “exigências de ordem pecuniária”, é necessário reconhecer que as condicionantes jurídicas para o recebimento da prestação jurisdicional constituem normas de direito processual. Nesta linha havia se pronunciado este mesmo Colegiado poucos meses antes, consoante se verifica da ementa abaixo transcrita: “EMENTA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. NECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO RECONHECIDA PELO JULGADOR MONOCRÁTICO E PELA TURMA DE ORIGEM. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL NÃO POSTULADO QUANDO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. QUESTÃO DE DIREITO PROCESSUAL. INCIDENTE NÃO CONHECIDO. Mesmo considerando que o entendimento dominante do STJ seja no sentido da dispensabilidade da exigência de prévio requerimento administrativo para o ajuizamento de ações que visem à concessão de benefícios previdenciários, o incidente não tem como ser conhecido, pois a matéria discutida (questão de direito processual), não pode ser objeto de pedido de uniformização, de acordo com o art. 14, caput, da Lei nº 10.259/2001. Incidente não conhecido”. (PU nº 200770950159460, Rel. Juiz Federal Cláudio Roberto Canata, DJU 16.01.2009). A meu sentir, toda essa volubilidade jurisprudencial sobre o tema é explicada, data venia, não tanto pela celeuma concernente à natureza da questão atinente ao interesse processual em matéria previdenciária, mas pelo dilema acerca da necessidade de manifestação desta instância uniformizadora sobre alguns aspectos de direito processual. Sobre o campo de aplicação do direito processual, Grinover, Araújo e Dinamarco sustentam que: Chama-se direito processual (...) o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado. Direito material é o corpo de normas que disciplinam as relações referentes a bens e utilidades da vida. O que distingue fundamentalmente direito material e direito processual é que este cuida das relações dos sujeitos processuais, da posição de cada um deles no processo, da forma de se proceder aos atos deste - sem nada dizer quanto ao bem da vida que é o objeto do interesse primário das pessoas (que entra na órbita do direito substancial). O direito processual é, assim, do ponto-de-vista de sua função puramente jurídica, um instrumento a serviço do direito material: todos os seus institutos básicos (jurisdição, ação, exceção, processo) são concebidos e justificam-se no quadro das instituições do Estado pela necessidade de garantir a autoridade do ordenamento jurídico. O objeto do direito processual reside precisamente nesses institutos e eles concorrem decisivamente para dar-lhe sua própria individualidade e distingui-lo do direito material. A primeira idéia que se extrai, e que não se deve perder de mente, é que o direito processual é um instrumento para a realização do direito material. Prosseguindo na tarefa de conceituação do direito material e do direito processual, registra Fábio Alexandre Coelho que O direito material (ou substantivo) é a parte do ordenamento jurídico que disciplina os direitos e deveres das pessoas. Além disso, trata de outros assuntos considerados imprescindíveis para a vida em sociedade, como é o caso da organização do Estado. Quanto ao direito processual, está relacionado ao exercício da atividade jurisdicional do Estado. Por isso, dispõe sobre o exercício da jurisdição e, em especial, a respeito do processo, o mecanismo estatal de solução de conflitos. O mesmo autor, mais adiante, esclarece: O direito processual diz respeito, portanto, ao conjunto de normas jurídicas - regras e princípios - que disciplinam a atuação dos órgãos jurisdicionais, sendo composto por uma série coordenada de atos, ligados entre si e que almejam a solução do conflito. Essas normas irão reger a atuação dos sujeitos do processo e o desenvolvimento da jurisdição (ex: quem poderá solicitar ao Poder Judiciário a solução do conflito, necessidade da parte contrária ter a oportunidade de se defender, provas que serão admitidas). Portanto, o direito processual representa a parte do direito que disciplina a utilização do processo. Quanto ao direito material, traz em seu bojo comandos que visam disciplinar condutas consideradas relevantes para a sociedade. Nesse sentido, estabelece os comandos que devem ser aplicados na disciplina dos relacionamentos humanos e de outros aspectos considerados essenciais para o homem. Também se revela útil o escólio de Wambier, Almeida e Talamini, quando expressam o que segue: Uma das formas de classificar os diversos ramos do Direito consiste em dividi-lo em dois grandes grupos: direito material e direito processual. Regra geral, é possível afirmar que todas as normas que criam, regem e extinguem relações jurídicas, definindo aquilo que é lícito e pode ser feito, aquilo que é ilícito e não deve ser feito, constituem-se em normas jurídicas de direito material. Tratam estas normas das relações jurídicas que travam no mundo empírico (...) excluída a matéria relativa à disciplina dos fenômenos que passam no processo, inclusive da relação jurídica processual base. Estas últimas, que tratam da disciplina processual, da forma como se fará a veiculação da pretensão, com vistas à solução da lide, têm conteúdo nitidamente vinculado àquilo que acontece em juízo, isto é, quando o litígio chega ao Poder Judiciário (ou, se for o caso, quando se celebra o compromisso arbitral) sob a forma de lide. Estas também proporcionam a criação, modificação e extinção de direitos e obrigações. A diferença está em que lá, nas normas de direito material, há disciplina das relações jurídicas que se travam nos mais diferentes ambientes (familiar, negocial, etc.) ao passo que aqui, no que diz respeito às normas de direito processual, são disciplinados os fenômenos endoprocessuais (que ocorrem dentro do processo) e a própria relação jurídica em que consiste o processo. É verdade que, como observa José Roberto Bedaque, “todos os institutos fundamentais do direito processual recebem reflexos significativos da relação jurídica material (jurisdição, ação, defesa e processo). O mesmo de diga das condições da ação, nas nulidades processuais (especialmente quanto ao princípio da instrumentalidade das formas), coisa julgada, prova. Isso revela o nítido caráter instrumental do direito processual e reforça a necessidade de relativizar o binômio direito-processo.” Mas essa percepção conduz ao pensamento da realização do ideal constitucional de um processo justo, isto é, um processo orientado por normas processuais aderentes à natureza do bem da vida em discussão e conduzido por uma atuação jurisdicional que leve em conta os particularismos da lide que se apresenta como carente de composição. Diante do que foi até o momento aduzido, guardo o pensamento de que o fundamento racional objetivo da norma, ao dispor expressamente que “caberá pedido de uniformização de jurisprudência quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material”, foi a de manter viva a separação entre a relação jurídica processual e a relação jurídica material, de modo que apenas as questões de direito genuinamente materiais pudessem ser objeto de uniformização pelas instâncias extraordinárias dos Juizados Especiais Federais. Neste sentido, parece-me importante manifestar a impressão que me cerca o espírito, concessa máxima venia, sobre a (in) adequação do raciocínio que reconduz uma questão de natureza processual infraconstitucional ao direito fundamental de ação. A concretização do direito constitucional de ação, assim compreendido o direito fundamental da pessoa à resposta jurisdicional adequada, somente é possível, em cada caso concreto, observado o devido processo legal (formal). Isso está a significar o quê? Que a prestação jurisdicional tendente a satisfazer ou realizar o direito fundamental à ação não se pode operar senão observado um plexo de normas processuais que conformam o caminho para a satisfação do direito material em jogo. Daí o caráter instrumental das regras de processo. Elas ditam o “como” ou as “condicionantes” da regular prestação jurisdicional. Emprestam-lhe uma racionalidade formal que somente é sustentável se fundadas na cláusula do devido processo, em seus princípios concretizadores (direito à ampla defesa, ao contraditório, à decisão fundamentada, à produção de prova lícita, à não dilações indevidas etc) e nas diversas normas extraídas da legislação processual. Esse é o motivo pelo qual, nada obstante a razão para conhecimento do incidente se paute no direito constitucional à ação, toda fundamentação de mérito se limita à análise de normas, questões e institutos do direito processual. E também a premissa de direito uniformizada não passa de uma oferta dedicada à disciplina de direito processual. Alcanço, assim, a razão em que se sustenta a segunda premissa: As regras processuais reconduzem-se, em verdade, ao princípio constitucional do devido processo legal, sua verdadeira fonte e seu critério último de validade. E o devido processo legal, em sua dimensão processual, consubstancia meio sem o qual se torna ilusória a garantia constitucional de resposta jurisdicional (direito de ação). Em outras palavras, o exercício do direito de ação se opera por meio de regras processuais que se reconduzem ao princípio do devido processo. Com isso em consideração, data venia, não vislumbro esforço hermenêutico que logre transmutar uma questão eminentemente processual, como a concernente às condições de ação ou à competência, em norma de natureza material, de modo a autorizar o manejo de um incidente de uniformização no âmbito dos Juizados Especiais Federais. O argumento da recondução da regra concernente à existência de interesse processual ao direito de ação, segundo penso, prova em demasia. Tal argumento prestar-se-ia, em verdade, a reconduzir a uma garantia fundamental (direito de ação) toda e qualquer discussão de natureza processual, pois é inescondível que todas elas encontrariam espaço no programa normativo daquela norma fundamental. Com efeito, idêntico fundamento já apresentou vocação para conduzir ao conhecimento incidentes de uniformização que versavam sobre regras outras de índole processual. Refiro-me às discussões encontradas no âmbito da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região que, porém, manifestou-se, por maioria, pelo não cabimento de uniformização nos casos em que se discute a insuficiência de preparo (P.U 2008.72.95.001327-9, Rel. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva; Rel. p/ Acórdão Juíza Federal Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo, j. DE.14.09.2009) e a competência dos Juizados Especiais para o processamento e julgamento de ações cautelares autônomas (P.U 2008.72.52.004793-4, Rel. Juíza Federal Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo, j. DE. 08/09/2009), sob o fundamento de que tais matérias são de cunho processual. Em suma, entendo que a questão envolvendo interesse processual ainda constitui matéria de direito processual, por mais nobre que seja o propósito interpretativo desta Corte. Passo à reafirmação da última premissa, que também me conduz ao não conhecimento do incidente: Inexiste similitude fática entre decisões dirigidas à circunstâncias de fato absolutamente distintas, quais sejam, a circunstância primeira de condicionar o acesso à Justiça para fins de concessão de benefício e a circunstância outra de condicionar o acesso à Justiça para sua revisão. Na ação de concessão, a ausência do prévio requerimento administrativo autoriza a ilação de que a Administração Previdenciária jamais teve oportunidade de apreciar o requerimento de proteção previdenciária por parte do segurado/dependente. Na ação de revisão de benefício, pressupõe-se justamente o contrário: a existência de provocação da tutela administrativa e, por consequência, a abertura de espaço para análise do direito do potencial beneficiário. Deve-se ter em conta, a propósito do tema, que a caracterização do interesse de agir em matéria previdenciária não se dá pela existência de um indeferimento administrativo, mas pela ocorrência de lesão ou ameaça de lesão a direito (CF/88, art. 5º, XXXV). A função jurisdicional é caracterizada por ser exercida quando de uma situação contenciosa “no processo de realização do direito” e justamente com a finalidade de “trancamento dessa situação contenciosa”. Esta é a clássica lição de Seabra Fagundes: “Mas o momento em que é chamada a intervir a função jurisdicional, o modo e a finalidade, por que interfere no processo realizador do direito, é que lhe dão os caracteres diferenciais. O seu exercício só tem lugar quando exista conflito a respeito da aplicação das normas de direito, tem por objetivo específico removê-lo, e alcança a sua finalidade pela fixação definitiva da exegese .” Na ação de concessão de uma prestação previdenciária, a lesão ou ameaça de lesão a direito se verifica, via de regra, com o indeferimento administrativo. É neste momento que se tem um conflito de interesses caracterizado por uma pretensão resistida e que qualifica o segurado a deduzir sua pretensão em Juízo, invocando tutela jurisdicional e a intervenção do Poder Judiciário sem a qual o conflito não encontraria solução. A resistência à pretensão constitui, portanto, o traço fundamental para que se configure a lide, conforme o clássico ensinamento carneluttiano. Na ação de revisão de benefício previdenciário - que busca a alteração da RMI (renda mensal inicial) ou da DIB (data de início do benefício) -, a lesão a direito em tese ocorre justamente com os termos em que é concedido o benefício. A Administração Previdenciária pode, por exemplo, ter rejeitado parte de tempo de contribuição do segurado, adotado um salário-de-contribuição menor, aplicado um índice de atualização dos salários-de-contribuição inferior ao que dispunha a legislação etc. O raciocínio para aferição da lesão a direito é, como se verifica, distinto daquele empregado no caso das ações de concessão. A resistência à pretensão se dá com a lesão do direito material do segurado/dependente, mediante a concessão de benefício em termos menos vantajosos do que determina o Direito. E é importante destacar que mesmo dentro das hipóteses de ações revisionais que impugnam o ato de concessão de benefício podem ser encontradas circunstâncias de fato absolutamente distintas: a) A ação revisional pode impugnar a rejeição de fato alegado administrativamente (tempo de serviço rural desconsiderado, por exemplo) ou critério de cálculo empregado pela entidade previdenciária. A pretensão de tutela jurisdicional busca, realmente, a substituição da vontade administrativa pela função jurisdicional b) A ação de revisão pode buscar a elevação da renda mensal inicial, apresentando fato não alegado administrativamente (um fato novo). A pretensão de revisão busca a intervenção jurisdicional com fundamento em fato que, na realidade, não foi objeto de exame na esfera administrativa. c) A ação revisional pode pretender a retroação da data de início do benefício (DIB), para efeito de recebimento de valores anteriores à data em que a prestação passou a ser mantida pelo INSS. Diante das diferenças existentes entre as circunstâncias de fato, deve também ser distinto o tratamento jurídico, sendo inexigível o prévio indeferimento administrativo como condicionante da ação revisional, mesmo que o fato invocado no pedido de revisão não tenha sido expressamente analisado pela entidade previdenciária. Essa última afirmação passa pela análise de um dever fundamental da Administração Previdenciária para com o segurado/dependente, dever este que pode ser dividido em três momentos: Primeiro, o dever de participação no relato dos fatos pelo pretendente ao benefício previdenciário, colhendo informações e reunindo dados que podem ser relevantes para concessão de um benefício. A assimetria informacional entre os beneficiários da previdência social e os agentes administrativos é de modo geral tão flagrante que a indiferença ou omissão na coleta de informações que podem ser relevantes para efeitos de benefícios parecem atentar contra os princípios constitucionais da moralidade, publicidade e eficiência (CF/88, art. 37). Aliás, justamente em face da presumida hipossuficiência dos segurados da previdência social e da notória dificuldade impostas ao leigo para o conhecimento de seus direitos previdenciários, a Administração deve lhe prestar o serviço social, esclarecendo “junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem de sua relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade” (Lei 8.213/91, art. 88). Segundo, o dever de participação na instrução do processo administrativo, emitindo carta de exigências e esclarecendo ao beneficiário que elementos de prova poderiam ser acrescentados aos que já foram apresentados. Se as dificuldades informacionais se iniciam a respeito do que pode ou deve ser alegado, quanto mais elas gravarão seus efeitos no que se relaciona às provas necessárias ao reconhecimento de seu direito. Também por essa razão, não se afigura correta a extinção do feito sem o julgamento do mérito, por falta de interesse de agir, ao argumento de que o processo administrativo não apresentava elementos de prova mínimos para a comprovação do direito do beneficiário. Terceiro, o dever de fazer corresponder o direito do beneficiário à prestação mais vantajosa dentre todas as possíveis. À Administração se impõe, mais especialmente, o dever de encaminhar processo de requerimento para o melhor benefício ao segurado, de modo que a concessão de um benefício menos vantajoso implica o indeferimento de outra prestação mais benéfica. É bem conhecido, neste sentido, o Enunciado 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social: “A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido”. Em decorrência desse dever fundamental da Administração Previdenciária, a título ilustrativo, a concessão de uma aposentadoria proporcional por tempo de serviço implica o indeferimento da aposentadoria integral. Bem assim a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição integral sem o reconhecimento de determinado tempo de contribuição, implica a negativa deste direito ao segurado, abrindo espaço para a revisão judicial deste ato administrativo, independentemente de novo requerimento administrativo. Por essas razões, não reúno condições de afirmar, data venia, a existência de similitude fático-jurídica entre uma decisão que condiciona o direito de ação à concessão de benefício previdenciário ao prévio requerimento administrativo, e outra que exige tal providência para o exame de mérito de uma ação de revisão de benefício. Ante o exposto, rogando vênia ao culto juiz relator, voto por NÃO CONHECER DO INCIDENTE. Recife, 16 de novembro de 2009. José Antonio Savaris Juiz Federal Relator

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