quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Militar - licenciamento ex officio

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PRORROGAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO MILITAR. ATO DE LICENCIAMENTO. IRREGULARIDADES. INSTAURAÇÃO DE SINDICÂNCIA. NÃO OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ILEGALIDADE. PORTARIA 202/2000. 
1. Cabe ao Poder Judiciário, in casu, o exame da alegada violação ao direito previsto e garantido pela Carta Magna, ou seja, o princípio da legalidade previsto no art. 37 da CF/88. A respeito, leciona Bernard Schwartz, in Commentary on the Constitution of the United States - The Rights of Property, the Macmillan Company, New York, 1965, pp. 2/3, verbis: "The Constitution has been construed as a living instrument intended to vest in the nation whatever authority may be appropriate to meet the exigencies of almost two centuries of existence. To regard the Constitution solely as a grant of governmental authority is, nevertheless, to obtain but a partial and distorted view. Just as important is its function as a limitation upon such authority. As already emphasized in section 1, the American conception of a constitution is one which is not confined to viewing such instrument as a charter from which government derives the powers which enable it to function effectively. Instead, with us, the organic document is one under which governmental powers are both conferred and circumscribed. The Constitution is thus more than a framework of government; it establishes and guarantees rights which it places beyond political abridgment. In this country, written constitutions were deemed essential to protect the rights and liberties of the people against the encroachments of governmental power." Da mesma forma, impõe-se recordar a velha mas sempre nova lição de John Randolph Tucker, em seu clássico comentário à Constituição norte-americana, verbis: "All acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers, are valid; all beyond bounds are "irritum et insane" - null and void. Government, therefore, has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal. Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. It cannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyond the prescribed limits." (In The Constitution of the United States, Callaghan & Co., Chicago, 1899, pp. 66/7, § 54) Outro não é o ensinamento de Daniel Webster, verbis: "The Constitution, again, is founded on compromise, and the most perfect and absolute good faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable to its preservation. Every attempt to grasp that which is regarded as an immediate good, in violation of these stipulations, is full of danger to the whole Constitution." (In The Works of Daniel Webster, Little, Brown and Company, Boston, 1853, v. I, p. 331) No regime do Estado de Direito não há lugar para o arbítrio por parte dos agentes da Administração Pública, pois a sua conduta perante o cidadão é regida, única e exclusivamente, pelo princípio da legalidade, insculpido no art. 37 da Magna Carta. Por conseguinte, somente a lei pode condicionar a conduta do cidadão frente ao poder do Estado, sendo nulo todo ato da autoridade administrativa contrário ou extravasante da lei, e como tal deve ser declarado pelo Poder Judiciário quando lesivo ao direito individual. Nesse sentido, também, a lição de Charles Debbasch e Marcel Pinet, verbis: "L'obligation de respecter les lois comporte pour l'administration une double exigence, l'une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l'autre, positive, consiste à les appliquer, c'est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu'implique nécessairement leur exécution." (In Les Grands Textes Administratifs, Sirey, Paris, 1970, p. 376) In casu, trata-se de caso típico de exame da legalidade da ação da Administração pelo Poder Judiciário. A respeito, anota o saudoso Min Victor Nunes Leal, em sua obra Problemas de Direito Público, 1ª edição, Forense, Rio, 1960, p. 264, verbis: "A "legalidade" do ato administrativo compreende, não só a competência para a prática do ato e as suas formalidades extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato (desde que tais elementos estejam definidos em lei como vinculadores do ato administrativo). Tanto é ilegal o ato que emane de autoridade incompetente, ou que não revista a forma determinada em lei, como o que se baseie num dado fato que, por lei, daria lugar a um ato diverso do que foi praticado. A inconformidade do ato com os fatos que a lei declara pressupostos dêle constitui ilegalidade, do mesmo modo que o constitui a forma inadequada que o ato porventura apresente." Impõe-se destacar, pela sua importância, expressivo voto proferido pelo eminente e saudoso Ministro Laudo de Camargo no julgamento da Apelação Cível nº 6.845, onde assinalou o ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, verbis: "Não é isenta de censuras a proposição de que o juiz só tem a ver com a existência ou não do processo administrativo, sendo-lhe defeso perquirir do que vai por seu merecimento. Não é assim. O preceito de lei não pode ser de tal modo sacrificado. Seria frustar a ação do judiciário. Cada poder tem vida autônoma, age com independência e se move em esfera própria. Mas si o executivo pratica um ato, que é dado como irregular, ao interessado cabe recorrer à justiça e pedir a esta que o aprecie. Na apreciação, o que se deve ter em vista é a legalidade ou não do ato incriminado. Terá ele de ser examinado pela forma com que se apresentar e pelos motivos que o determinaram. Se houve processo e pelas provas dadas nada se concluir contra o acusado e não obstante isso, veio êle a padecer demissão, poderá assim dar a esta como legítima, só pelo fato de deparar com um processo? Melhor fôra então que o ato demissionário não ficasse dependente de processo algum, se só pelo exterior fosse o ato julgado, contrariando o que êle contivesse. O judiciário é chamado para dizer se há ou não algo ilícito, capaz de originar reparação. Como saber se o ato foi ou não lícito sem pesar os motivos que o determinaram, nem apreciar os elementos colhidos?" (In Revista Forense, v. 78, p. 494) Ademais, nessa Sindicância o próprio recorrente não foi ouvido, o que, com a devida vênia, comprometeu não só o seu direito de defesa, como o próprio rumo a ser tomado pela investigação. A respeito, pertinente o magistério do Prof. Marcel Waline acerca da importância da ouvida do servidor no processo administrativo disciplinar, bem como a sua presença na inquirição das testemunhas, verbis: "G) La présence de l'inculpé ou de ses défenseurs n'est pas nécessaire lors de l'audition des témoins par l'enquêteur, pourvu que le compte rendu de cette audition lui soit communiqué en temps utile. Il est à remarquer que la solution contraire est imposée, si l'audition se fait devant le conseil de discipline lui-même, tant par le texte applicable au personnel hospitalier (art. 43 et 45 du décret du 20 mai 1955; l'arrêt le rappelle expressément), que par la jurisprudence applicable à l'ensemble des fonctionnaires et agents publics (15 janvier 1943, Fortuné, p. 9; 30 novembre 1949, de Saint-Thibault, p. 516; 2 juin 1954, Peyrethon, p. 325). On peut se demander pourquoi le Conseil d'État n'exige pas, lorsque les témoignages sont produits devant un enquêteur unique (qui peut être, rappelons-le, l'instigateur de la poursuite lui-même), ce qu'il exige lorsque les témoins sont entendus par tout le conseil. Sans doute a-t-il pensé (la rédaction de l'arrêt le leisse clairement entendre) que cette présence n'est exigée par un texte que si les témoins sont entendus par le conseil et qu'il n'appartient pas à la jurisprudence d'étendre sans texte cette obligation. A l'objection que les droits de la défense risquent de ne pas être sauvegardés, il répond que le respect des droits de la défense exige seulement que le rapport analysant les déclarations des témoins soient communiqués à l'agent inculpé suffisamment tôt avant la réunion du conseil, pour qu'il puisse discuter le rapport. Cette argumentation ne nous convainc pas. S'il est permis, pour une fois, au commentateur d'évoquer un souvenir personnel - pour la première fois dans une longue carrière d'annotateur - il nous a été donné, en 1945, de présider une commission d'épuration. Entendant des témoignages accablants pour le agents poursuivis, nous avons régulièrement invité les témoins à renouveler leurs déclarations en présence de l'"inculpé". Le résultat était, dans la grande majorité des cas, une rétractation spontanée du témoignage. Aussi pensons-nous que, bien plus que l'adage Testis unus, testis nullus s'impose, dans toute procédure tendant à la recherche de la vérité sur des faits, la règle qu'un témoignage donné hors de la présence de l'inculpé est de bien peu de valeur, comparativement à un témoignage fait devant lui. Les juges d'instruction le savent bien, qui recourent presque régulièrement à des confrontations. Nous pensons donc que si rien n'obligeait strictement, en l'absence de textes, le Conseil d'État à étendre aux témoignages recueillis par l'enquêteur, la règle de l'audition en présence de l'inculpé, que les textes n'exigent que devant le conseil de discipline lui-même, rien non plus ne l'empêchait de juger que ce caractère contradictoire de l'audition des témoins était seul susceptible de garantir efficacement les droits de la défense, et qu'il aurait été mieux inspiré en jugeant ainsi. Cela nous paraît d'autant plus vrai, que la jurisprudence du présent arrêt va permettre de tourner facilement la règle posée par les articles 43 et 45: il suffira de renoncer systématiquement aux auditions de témoins par le conseil de discipline et de les renvoyer à une enquête. Ainsi, la présence obligatoire de l'agent poursuivi se trouvera-t-elle ipso facto éludée. C'est pourquoi nous regrettons cette solution." (In Revue du Droit Public et de la Science Politique, L.G.D.J., 1964, pp. 443/4) Com efeito, procede a alegação de nulidade do processo administrativo no que respeita à ausência de indicação na Portaria de instauração do processo disciplinar das infrações a serem averiguadas, como facilmente se constata do exame da mesma. Não se trata de mera formalidade, mas de pressuposto essencial para a concretização da garantia da plena defesa do acusado, insculpida na Constituição (art. 153, § 15, da CF de 1969; art. 5º, LV, da CF de 1988). Impende que a Portaria descreva o ato ou atos a apurar, indicando-se as infrações a serem punidas. No caso em exame, a simples leitura da Portaria revela a sua nulidade, pois lacônica, omissa quanto aos fatos a apurar. A respeito, deliberou o Pretório Excelso que é nulo o processo administrativo disciplinar que omitir a substância de fato das acusações na portaria de sua instauração, em caso muito semelhante ao dos autos (RE nº 120.570-BA, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, in RTJ 138/658). No mesmo sentido inclina-se a doutrina, consoante o magistério de CINO VITTA, em obra clássica, verbis: "La giurisprudenza ha ripetutamente affermato che l'imputato deve conoscere tutti i punti essenzialisui quali poggia l'accusa, e l'aver trascurato di notificargliene taluno è motivo di nullità del procedimento;" (CINO VITTA, in Il Potere Disciplinare Sugli Impiegati Pubblici, Società Editrice Libraria, Milano, 1913, p. 477). Da mesma forma, entre outros, o ensinamento de MARCEL WALINE, in Traité Élémentaire de Droit Administratif, 6ª edition, Sirey, Paris, 1952, p. 348, 4º, bem como o de HELY LOPES MEIRELLES, in Direito Administrativo Brasileiro, 14ª edição, Rev. dos Tribunais, 1989, p. 591. 
2. Agravo a que se nega provimento.
(AGVAMS 200570000328467, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 09/01/2008.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário