terça-feira, 8 de março de 2011

O cumprimento de pena por tráfico de entorpecentes

O debate sobre o regime de cumprimento de pena do tráfico de entorpecentes encontra-se ainda em grande discussão. Embora o legislativo insista em fixar um regime de pena mais gravoso para os traficantes, os órgãos superiores julgadores, por sua vez, insistem que é inconstitucional a fixação a priori do modo de cumprimento de pena, já que a constituição prevê o regime de individualização da pena, a ser aplicado pelo juiz. O judiciário entende que cabe ao juiz analisar o caso concreto e decidir qual o regime inicial de cumprimento de pena, assim como a pena mais adequada a cada situação.
São duas as questões que dão azo à discussão do tema. A progressão do regime e o regime inicial de cumprimento.
A progressão de regime é questão fixada pelo STF em 2006. Aliás, nesta data houve na verdade uma mudança de entendimento. Há um texto na internet explicando certinho questão, no site vem concursos (http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_id=1900 ) de autoria de Antônio Henrique Lindemberg Baltazar. Inicialmente entendia o STF que a vedação a progressão do regime não era inconstitucional, já que os critérios para a individualização da pena deveria ser fixado pelo legislador ordinário, e poderia este, da mesma forma, vedar a progressão do regime, exteriorizando entendimento no sentido de que, naquele caso, no momento da individualização da pena, uma das premissas é o cumprimento em regime fechado.
Já em 2006, no julgamento do HC 82959, que inclusive julgava um caso de pedofilia, o STF, por maioria, julgou que a fixação do cumprimento da pena em regime integralmente fechado era inconstitucional, pois fere o principio da individualização da pena, e da dignidade da pessoa humana. Embora tenha sido uma incidente, o precedente passou a ser largamente aplicado e se firmou, ainda mais com a mudança na lei 8072/90, em 2007, regulando a progressão de regime para os crimes hediondos.

No tocante ao regime de cumprimento de pena a lei 8072/90, determina que o regime inicial de pena é o fechado. Creio que isso veda a conversão em restritiva de direitos, já que, pelo que eu saiba, isso é questão decidida pelo magistrado no momento da prolação da sentença.
Já a lei de drogas traz vedação expressa:
art. 33 _ § 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Art. 44.  Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
Sobre esta questão, o STF já dá mostras de que novamente julgará a previsão como inconstitucional, pois já o afirmou em sede de controle difuso de constitucionalidade, no julgamento do HC 97256, considerando que a vedação da conversão da pena de privativa de liberdade para restritiva de direitos prevista no §4º do art. 33 é inconstitucional, sob a mesma argumentação, no que vem sendo seguido pelo STJ, como demonstra o julgamento do HC 168.459/MG.

Seguem as ementas dos julgados citados:

1.
PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.

(HC 82959, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006, DJ 01-09-2006 PP-00018 EMENT VOL-02245-03 PP-00510 RTJ VOL-00200-02 PP-00795)

2.

HABEAS CORPUS. NARCOTRAFICÂNCIA. PACIENTE CONDENADO A 2 ANOS E 6 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO (LEI 8.072/90, ART. 2o., § 1o.). PEDIDO DE INCREMENTO DA FRAÇÃO REDUTORA PREVISTA NO ART. 33, § 4o. DA LEI 11.343/06. INADMISSIBILIDADE DA PRETENSÃO NA VIA ELEITA. REDUÇÃO EM 1/2 JUSTIFICADA NA QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA (977,40 GRAMAS DE MACONHA). POSSIBILIDADE, PORÉM, DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO, SEGUNDO DECISÃO DO STF. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. DELITO PRATICADO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 11.464/07. REGIME INICIAL FECHADO QUE SE IMPÕE. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT.
ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA PARA QUE O JUIZ DA VEC ANALISE A POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITOS, COM RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR.
1.   Mostra-se inadmissível, na estreita via cognitiva do Habeas Corpus, o incremento da redução para a fração máxima de 2/3, por aplicação do art. 33, § 4o. da Lei 11.343/06, diante da exigência de revolvimento de matéria fática. Precedentes do STJ.
2.   Embora o paciente seja tecnicamente primário e sem antecedentes criminais, a quantidade e a natureza da droga apreendida (977,40 gramas de maconha) justificam a diminuição em 1/2, eis que adequada à finalidade repressiva e educativa da pena.
3.   A nova Lei de Tráfico de Entorpecentes (11.343/06) dispõe que o delito de tráfico é insuscetível de sursis e, ainda, vedou expressamente a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44). Portanto, cometido o crime na sua vigência, indevida a conversão da pena ou a concessão de sursis.
4.  Recente entendimento do colendo STF afirma ser inconstitucional a proibição de conversão de penas em crime de tráfico (HC 97.256, Rel. Min. AYRES DE BRITO); todavia, deve ser ressaltado que foi (a) adotada em sede difusa, e (b) por maioria de votos (6x4) e (c) sem efeito vinculante.
5.   Não parece razoável que o condenado por tráfico de entorpecentes, seja ele de pequeno, médio ou grande porte, seja beneficiado com essa substituição, porque, em todas as suas modalidades, trata-se de delito de extrema gravidade e causador de inúmeros males para a sociedade, desde a desestruturação familiar até o incentivo a diversos outros tipos de crimes gravíssimos, que, não raro, têm origem próxima ou remota no comércio ilegal de drogas, sem falar do problema de saúde pública em que já se transformou.
6.   O regime inicial de execução da pena, do mesmo modo que a eventualidade de progressão e a possibilidade de substituição formam o conjunto da sanção. A sua definição cabe ao legislador, que, no caso da narcotraficância, entendeu que as consequências a reger os infratores da norma deveriam ser mais severas, sem deixar de prever, para hipóteses menos graves, a possibilidade de expressiva redução da pena. Nesse contexto, não vislumbro qualquer mácula ao princípio da individualização da pena.
7.   O fato de a legislação estabelecer critérios distintos para a aplicação da sanção, que podem ser mais ou menos graves, conforme o crime, não retira do Magistrado a sua discricionariedade, pois este está - em todos os casos - balizado pelos parâmetros anteriormente definidos na norma penal.
8.   Todavia, a maioria dos integrantes da 5a. Turma entendeu por acompanhar o entendimento sufragado pelo colendo STF, razão pela qual, considerando a missão constitucional desta Corte de uniformização da jurisprudência pátria, ressalvo o meu ponto de vista, para conceder a ordem, nesse aspecto particular, permitindo a substituição da pena, a ser fixada pelo Juiz da VEC.
9.   De outro vértice, se o delito ocorreu após a vigência da Lei 11.464/2007, impõe-se obrigatoriamente o regime fechado como o inicial, independentemente do quantum de pena aplicado. Precedentes.
10.  Habeas Corpus parcialmente concedido, com ressalva do ponto de vista do relator, para que o Juiz da VEC analise a possibilidade de conversão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, em que pese o parecer ministerial em sentido contrário.
(HC 168.459/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 16/11/2010)
3.
EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material. 2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória. 3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero. 4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes. 5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.
(HC 97256, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2010, DJe-247 DIVULG 15-12-2010 PUBLIC 16-12-2010 EMENT VOL-02452-01 PP-00113)

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